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quarta-feira, 6 de agosto de 2014

SAÚDE, AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO PROCESSOS E CONSEQUÊNCIAS SOBRE AS CONDIÇÕES DE VIDA



SAÚDE, AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO

PROCESSOS E CONSEQUÊNCIAS SOBRE AS CONDIÇÕES DE VIDA


Maria do Carmo Leal
Paulo Chagas Telles Sabroza
Rodolfo Hector Rodriguez
Paulo Marchiori Buss
Organizadores







SANEAMENTO E SAÚDE AMBIENTAL NO BRASIL


Szachna Eliasz Cynamon
Jorge Campos Valadares
Simone Cynamon Cohen
Washington Luiz Mourão
Maria José Salles
Alberto Najar
Judith Tiomny Fiszon
Taysa Tamara Machado



OS RECURSOS HÍDRICOS E O AMBIENTE

               É antiga a visão do meio como um agressor do homem.  Várias intervenções buscam criar barreiras para evitar que o ambiente cause danos, sob os mais vários aspectos, tais como proteger a saúde, especialmente no caso das doenças contagiosas, evitar perdas materiais e humanas decorrentes de inundações, secas etc.

               Recentemente foi aberto um conjunto de novas preocupações vinculadas aos danos causados pelo homem ao seu meio, ou seja, este passou a ser não apenas o agressor como também o agredido.  Esse novo enfoque tem crescido paralelamente ao reconhecimento de que as alterações produzidas ou induzidas pela atividade humana diferenciam-se das dos outros seres pela sua maior extensão e intensidade, gerando efeitos que mudam regionalmente ou globalmente o ambiente físico e biológico, às vezes de modo irreversível (Cerqueira, 1991).


Como consequência, tem crescido a busca de novas formas de desenvolvimento que levam em consideração as condições básicas de preservação ambiental.  Elas têm sido constantemente discutidas em diversos âmbitos e podem ser resumidas através dos seguintes objetivos gerais da União Internacional de Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais, estabelecidos em 1980:

a)      A conversação dos recursos biológicos do mundo, com a finalidade de apoiar um nível sustentável de desenvolvimento a longo prazo.
b)      A manutenção dos processos ecológicos essenciais e dos sistemas de manutenção da vida.
c)      Preservação da diversidade genética.
d)      Utilização sustentada de espécies e ecossistemas.


Para dar conta desses propósitos, diversos países têm desenvolvido políticas de preservação e controle ambiental, estabelecendo critérios de uso e manutenção das suas áreas “ambientalmente sensíveis”.  Essas áreas possuem um ecossistema cuja integridade precisa ser protegida e preservada (Eagles, 1984).  Entre elas estão incluídas as áreas vinculadas à proteção dos recursos hídricos, que ao lado de outras questões como a conservação e o uso do solo, a exploração das florestas etc. têm ligação direta com esses propósitos, que deveriam ser tratados em uma abordagem conjunta (Cerqueira, 1991).

A água, por ser um elemento essencial à subsistência e às atividades humanas, e, na maioria das vezes, insubstituível, é muito suscetível a danos.  Ela tornou-se um bem imprescindível à vida e um fator condicionante – tanto pela quantidade como pela qualidade – de desenvolvimento econômico e do bem-estar social (Cunha, 1980).

O aumento da população, o desenvolvimento urbano e a expansão industrial e agrícola trouxeram em seu bojo a carência e a poluição dos recursos hídricos.   Existe uma relação direta entre os investimentos em água e a atividade diretamente produtiva, ou seja, há um ponto a partir do qual só há possibilidade de aumento na produção se houver aumento na capacidade de provimento de água.  Para Cunha (1980), a água está tão intimamente ligada ao desenvolvimento sócio-econômico que as quantidades consumidas podem se constituir em um de seus indicadores, isto é, a água participa e é um fator limitante dos processos sociais de produção, circulação e consumo, ainda que de modo diferenciado, em todos os grupos sociais (Fiszon, 1989).

A inexistência de um serviço de esgotos sanitários, embora traga inconvenientes, não traz limitações a priori para esses processos.  Entretanto, a presença do serviço público de abastecimento de água acentua a necessidade de coleta, afastamento e disposição adequada das águas servidas, pois estas acabam poluindo o solo, contaminando as águas superficiais e o lençol freático, e frequentemente escoam por sarjetas e valas, vindo a constituir um perigoso foco de disseminação de doenças (Netto, 1977; Hardoy e Satterthwaite, 1991).

               Grande parte da água existente na terra não se encontra disponível para uso imediato.  Aproximadamente 97,3% da água do planeta corresponde à água do mar e os restantes 2,7% à água doce.  A distribuição da parcela de água doce, de acordo com Baumgarther e Reichel (1975), é a seguinte:

*gelo de calotas polares e glaciares ....................                                            77,20%
*águas subterrâneas e umidade do solo.......                                                   22,40%
*lagos e pântanos .............................................................................                0,35%
*atmosfera ....................................................................................................     0,04%
*rios ..........................................................................................................         0,01%

               Pode-se perceber que o acesso à água nem sempre é muito fácil, exigindo, em certos casos, investimentos elevados e tecnologias sofisticadas.  Além disso, a irregularidade de sua distribuição no tempo e no espaço acarreta, muitas vezes, longos períodos de estiagem e/ou inundações.

               As preocupações com problemas ambientais na construção de uma política adequada para a gestão dos recursos hídricos inclui aspectos econômicos, sociais e técnicos e gira em torno de considerações:

*preventivas, que incorporem a dimensão ambiental no projeto e execução de grandes obras;
*que incorporem os avanços conseguidos em relação ao manejo de bacias e sistemas hidráulicos já construídos, visando recuperá-los e aumentar sua disponibilidade hídrica;
*que controlem a demanda, alterando ou redefinindo padrões de qualidade de vida, relacionados ao estilo de desenvolvimento dominante (Dourejeanni, 1990).


 



ALGUNS ASPECTOS HISTÓRICOS REFERENTES AO SANEAMENTO DA COLÔNIA AOS ANOS 60


               A civilização brasileira pode ser considerada realmente jovem.  Apesar da contribuição do colonizador europeu, do contingente africano aqui aportado como escravo e do nativo que conseguiu sobreviver, o imenso país de 8.850.000 km2 tinha na hora de sua independência política, em 1822 (há 170 anos), 3.000.000 de habitantes (hoje conta com mais de 140.000.000).

               Não houve aqui o transplante de civilização, pois a ecologia que o colonizador europeu encontrou era diferente da ecologia europeia.  Contudo, teimou ele em aplicar aqui a mesma técnica construtiva e os mesmos materiais, a mesma técnica agrícola e o plantio das mesmas culturas vegetais que estava acostumado a plantar, sem dominar o exuberante mundo vegetal e animal nativo, aproveitando somente em situações muito limitadas as plantas nativas e somente em caçadas aos animais da terra, situação que só se modifica mais recentemente. Com farto espaço e riquezas, o colonizador predou e deixou a tradição de um modelo predador destinado à exportação.

Após sua independência, acompanhando os movimentos da época e pressionado por movimentos sociais, pelos intelectuais em formação e por questões econômicas, o País libertou os escravos, o que conduz à debandada da mão de obra dos campos, vindo engrossar a miséria das cidades em formação.

A falta de mão de obra leva à abertura de portas para a imigração, com intenção de cobrir as necessidades da lavoura.  Mas, é impossível deixar de aceitar também os contingentes que se destinam às cidades, mão de obra qualificada ou não.

Forma-se nas cidades, ao lado dos grandes proprietários rurais, uma classe extremamente exigente em usufruir as últimas inovações do mundo mais civilizado.  Isso leva a vultosas e custosas importações de utilidades, traz as companhias exploradoras de serviços e obriga a volumosas exportações de produtos primários.

A desproporção entre os preços dos produtos elaborados importados em relação aos dos produtos primários, além de obrigar a um grande esforço interno, contribuiu fortemente para o aumento do endividamento.

A consequência foi o surgimento de movimentos com o objetivo de reverter a situação através do processo de industrialização.  As indústrias de transformação passaram a se estabelecer nas áreas urbanas ou periurbanas, com absorção de mão de obra, daí resultando o progresso urbano.  O processo de urbanização passou a atrair gente do campo em busca de melhores condições de vida.

Os industriais desencadeiam o processo de construção das vilas operárias perto das fábricas como forma de resolver o problema habitacional.  O Sul e o Sudeste do País continuaram a importação de mão de obra alienígena.  Com o processo de ingresso da mecanização na lavoura mais mão de obra é liberada e levada para as cidades, que começam a crescer desmesuradamente e sem apoio para o desenvolvimento de sua infraestrutura (água, esgoto, luz etc.).  O afluxo de mais pessoas conduz ao processo de favelização: áreas desde o início sem um mínimo de infraestrutura, higiene, água, esgoto, acesso a serviços e uso anárquico do solo, entre outras características.

A excessiva descentralização e o pouco interesse do poder central, apoiado na estrutura de poder político e econômico dos grandes proprietários, leva à desmoralização da administração dos municípios, nos quais os poucos recursos disponíveis são sempre dilapidados pela postura clientelística e pela má administração, tecnicamente incapaz e corrupta.

Resultado: a maioria dos municípios brasileiros, incluídas as capitais, nos anos 30, encontram-se sem infraestrutura urbana, água, esgoto, luz, sem estradas, sem escolas, sem hospitais e com um sistema municipalista corrompido e demagógico.  Este é um dos pretextos para a derrubada do regime e a implementação de um regime centralizado discricionário.    

Os serviços de saneamento, ao fim do século passado, vão se implementando nas grandes cidades com concessões a companhias particulares estrangeiras ou nacionais que, como compensação pelos baixos lucros dos sistemas, recebem também em concessão a exploração de serviços de transportes urbanos, luz, gás e, depois, telefones.   

Com o crescimento urbano e a necessidade crescente de investimentos os serviços de água e esgoto deixam de ser interessantes para as companhias de luz, água, telefone e transportes urbanos, mesmo com as compensações.

Com a desestruturação estadual, o crescimento das cidades, a incapacidade dos municípios em instalar serviços e a maior exigência das populações, a tarefa recai sobre os ombros do governo federal.  Sem fundos próprios, o financiamento dos serviços passa a ser feito por meio de doações orçamentárias e empréstimos externos.
  
Este sistema permanece, apesar de a Constituição de 1946 estabelecer os serviços como atribuição municipal.  Com a má aplicação pulverizam-se os poucos recursos levados a Fundo Sem Retorno em Espécie, sendo poucos os municípios alcançados e pequena a população atendida.

Assim, como no início do século se projetam as obras de Saturnino de Brito, professor, construtor e empresário, o ano de 1942 representa uma reversão, com a implantação dos SESP (Serviço Especial de Saúde Pública), em convênio com os E.U.A.

O SESP, serviço integrado de saúde com programas de assistência médica, medicina preventiva e saneamento – de início destinado a dar cobertura ao esforço de guerra na Amazônia e Rio Doce, com a proteção dos envolvidos na produção de produtos essenciais – foi sendo estendido pelo País.  Como entidade modelo, cuidou da formação de pessoal, com treinamento dentro e fora do Brasil.

Outro fato marcante foi a implantação da Faculdade de Higiene e Saúde Pública em 1948, que durante mais de uma década formo a elite da Engenharia Sanitária da América Latina.

Embora modelares, os serviços do SESP eram relativamente em pequeno número, e com o advento da Constituição de 1946 e o término da guerra, antecipou-se a necessidade de entrega dos serviços aos municípios.  Alguns foram realmente entregues e, em pouco tempo, serviços bem operados se viram dilapidados.  Inconformado, o corpo técnico buscou uma saída através dos SAAE (Serviços Autônomos de Águas e Esgotos), o primeiro deles em Governador Valadares.

Os SAAE’s, autarquias municipais com autonomia administrativa, financeira e técnica aprovadas por lei municipal, deveriam assinar convênios de operações com entidades públicas ou particulares especializadas.  Em seus anos de existência, os SAAE’s deram um exemplo de boa administração, mantendo ao mesmo tempo o princípio municipalista, pois, ainda que os convênios pudessem ser rompidos a qualquer momento, os funcionários dos SAAE’s tinham vínculo municipal.  Os SAAE’s atingiram relativamente poucos municípios.  Com a falta de recursos para financiamento as obras se limitavam às mesmas oitenta por ano.

Em 1954, na administração do Presidente Vargas, por proposta do SESP, foi aprovado um Fundo Rotativo, plano ambicioso que previa a injeção inicial de recursos durante três anos e a recomposição do fundo com o ingresso de parte do arrecadado com as tarifas.  Com a morte de Vargas o Fundo não chegou a se concretizar.

Em 1960 foi realizado o Levantamento Nacional do Saneamento, que indicou a tremenda deficiência dos sistemas de água e esgotos no País e que apontou a pulverização de recursos, com dezessete entidades atuando só no nível federal.

No início da década de 60, coincidindo com a aceleração do processo de industrialização, surgem os primeiros planos globais da EPEA, de pouco resultado.  Diversos encontros internacionais ocorreram a partir de meados da década de 60, incorporando as preocupações sobre saneamento, ambiente e desenvolvimento.  Em 1965 a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) lançou o Decênio Hidrológico Internacional, objetivando principalmente inventariar os recursos hídricos e capacitar pessoal técnico em seu manejo (Costa, 1973).  Em 1968 foi elaborada a Carta Europeia da Água pelo Conselho da Europa, em Estrasburgo, que identificou alguns princípios éticos e técnicos a respeito da gestão da água, tendo como eixo básico a preocupação com o ambiente.  No mesmo ano ocorreu uma conferência intergovernamental realizada na UNESCO, em Paris, que foi a base inicial da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente, ocorrida em Estocolmo, em junho de 1972.  Esta lançou os princípios básicos da posição internacional sobre a política de ambiente, com a qual a gestão das águas está intimamente relacionada (Cunha, 1980).




A ERA DO PLANASA


Os reflexos dessa preocupação mundial foram rapidamente sentidos no Brasil.  Em 1971, durante o regime militar, foi instalado o Banco Nacional de Habitação (BNH) e instituído o Plano Nacional de Saneamento (PLANASA), que implantou uma política de âmbito nacional para o provimento dos serviços de água e esgotos.  Em 1973 foi criada a Secretaria Especial de Meio Ambiente e, nos anos subsequentes, órgãos estaduais fiscalizadores da ação sobre o meio ambiente.

Em 1977 realizou-se a Conferência da Água das Nações Unidas na Argentina.  A partir dessa Conferência foi instituído o Decênio Internacional de Abastecimento de Água Potável e Saneamento, entre 1980 e 1990, cujo principal objetivo foi estimular o crescimento da oferta de abastecimento de água tratada e de coleta e tratamento dos esgotos sanitários através de metas básicas a serem estabelecidas pelos diversos países, levando em consideração suas condições sócio-econômicas.  As metas brasileiras, adotadas pelo PLANASA para o decênio, foram as de atender no mínimo 90% da população urbana com serviços de abastecimento de água e pelo menos 65% da população urbana com serviços adequados de esgotos sanitários (Portaria n. 140 de 24 de dezembro de 1981).

Com o espírito da época e a experiência anterior da escassez e pulverização dos poucos recursos existentes, verifica-se um processo centralizador e tecnocrático, mas realizador e engenhoso em suas formas de suplantar dificuldades.  Ao analisarmos hoje o BNH, passada a época do regime autoritário, deve-se reconhecer o mérito de ter sabido usar os instrumentos à sua disposição para executar obras de saneamento em um montante jamais visto.  Criou ou reforçou as companhias estaduais existentes; treinou, em dez anos, cerca de 200.000 profissionais nos mais diversos níveis; em associação com a ABES (Associação Brasileira de Engenharia Sanitária) estimulou a publicação de livros, chegando a cerca de 80 exemplares; executou muitas obras e criou um imenso acervo técnico de normas e procedimentos, hoje em franca dilapidação.     


O PLANASA também cometeu erros:
1º) eliminou a autonomia municipal;
2º) afastou a participação popular;
3º) liquidou as pequenas e médias empresas particulares do ramo;
4º) teve uma digladiação inglória com os setores de saneamento das entidades de saúde pública e autarquias municipais, deixando-as à míngua de recursos;
5º) afastou-se dos objetivos sanitários;
6º) exagerou nos gastos;
7º) centralizou em todos os sentidos e interferiu em universidades e entidades de pesquisa, reduziu substancialmente a possibilidade de propostas independentes e sortou pela base grupos emergentes;
8º) tendo como fonte de recursos o FGTS e as cadernetas de poupança, necessitava realizar reposição pontual dos recursos com juros e correção monetária, mas foi obrigado a usá-los para atender à política social do governo, resultando em inadimplência agravada, na época da abertura política, com a negativa dos estados em saldar os débitos com a desculpa de fazer, desse modo, pressão política para liquidação do regime autoritário;
9º) teve, de início, uma política tarifária injusta (única por estado), que afastava as possibilidades de utilização dos serviços pelo pequeno consumidor.


Apesar de todos os serviços prestados, o PLANASA foi fechado sem uma única reação popular ou de políticos, fruto da desvinculação total de uma sociedade a qual procurou servir.  Retrato de uma época, a atuação do PLANASA, como se disse, incorporou a preocupação que impregnava as políticas públicas então vigentes, de gerir serviços públicos financeiramente viáveis, custeados através de tarifas.  Essa proposta de autossustentação levou o Plano a preconizar seu início pelos sistemas de maior e mais rápido retorno.  Uma das consequências dessa estratégia foi a priorização das intervenções em abastecimento de água em detrimento dos esgotos sanitários e das áreas mais desenvolvidas, deixando, em segundo plano, as de menor porte.  Com isso, diversas localidades celebraram convênios de exploração dos serviços de abastecimento de água, deixando os de esgotamento sanitário “para uma intervenção futura”, devido às poucas possibilidades de viabilidade financeira do segundo.  Como consequência, foi dificultada a possibilidade de uma ação integrada água/esgoto (Fszon, 1990). 
     
A distribuição dos investimentos realizados entre os serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário a partir de 1968, mostrados na Figura 1, permitem confirmar a primazia das aplicações em água até 1984.  Entre 1968 e 1971 praticamente 100% dos recursos aplicados concentraram-se em água.  De 1971 a 1984 foram poucos os anos em que se aplicou mais de 30% do montante total em esgotos, sendo ainda observada grande irregularidade na proporção distribuída entre os dois serviços até 1984.






FIGURA 1. INVESTIMENTOS EM ÁGUA E ESGOTO (%). BRASIL, 1968-1989.




               Alguns estados foram amplamente favorecidos em detrimento de outros, que continuaram praticamente sem ter condições de ampliar sua oferta de esgotos sanitários.  São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro receberam cerca de 80% do aplicado entre 1968 e 1984, sendo que São Paulo, sozinho, obteve 63% do total1.  

               A partir dos dados apresentados podemos afirmar que durante esse período a intervenção em saneamento foi criadora de condições altamente poluidoras do meio, uma vez que produziu grandes volumes de água para ser distribuída à população que não foram acompanhados de um serviço de coleta de esgotos adequado.

Desde meados da década de 80 passou a existir um consenso por parte de entidades e associações ligadas ao setor, de que também deveriam estar incluídas na agenda de intervenções, entre outros, o crescimento da atenção aos esgotos sanitários, a drenagem urbana, a proteção dos mananciais e do meio, a gestão dos recursos hídricos e o controle de cheias (Brasil, 1985), mostrando o aumento das preocupações com os problemas ambientais.

O fim do período do regime militar e o início da então chamada Nova república, em 1985, trouxe a expectativa de mudanças para o setor.  As críticas à desarticulação das instituições que atuavam com métodos e objetivos distintos e sem uma clara definição de prioridades, à baixa eficiência na capacidade de ampliar os serviços, à incapacidade de dar respostas aos problemas dos esgotos e a redução contínua dos investimentos foram uma constante em diversos documentos elaborados por entidades ligadas ao aparato estatal e ao saneamento (Brasil, 1985; Souza, 1990; ABES/OPS, 1990).     

               Apesar dessa expectativa, o I Plano Nacional de Desenvolvimento da Nova República, abrangendo o período de 1986-1989 (PND-NR), não renovou em sua abordagem, tratando de modo estanque o saneamento básico urbano, o saneamento rural e o saneamento geral, ainda que demonstrasse clara preocupação com o enfoque dos problemas ambientais.

               As mudanças institucionais ocorridas com a extinção do órgão central do Sistema Financeiro de Saneamento, o Banco Nacional de Habitação (Brasil, 1986), e a incorporação de suas atividades à Caixa Econômica Federal, não demonstram ter relação com as propostas de reestruturação do setor, discutidas na época.

               O desempenho do setor entre 1985e 1989, comparativamente ao período de 1968 a 1984, apresentou melhor distribuição entre os investimentos em água e esgotos, com constante crescimento da participação do segundo, como pôde ser visto na Figura 1.  Houve uma concentração espacial na aplicação dos recursos em esgotos, embora a maioria dos estados ainda receba uma parcela muito pequena dos investimentos.  São Paulo desceu da média de 63%, verificada entre 1968 e 1984, para 29,5% nesse novo período.  Alguns estados têm obtido uma proporção maior de investimentos em esgoto do que em água, apontando uma tendência raramente verificada até 19822.



SITUAÇÃO DE SANEAMENTO NO BRASIL – ALGUNS DADOS3


               A população brasileira, constituída de aproximadamente 145 milhões de habitantes, concentra-se nas áreas urbanas, com o percentual significativo de 76,2%, enquanto o restante encontra-se disperso nas áreas rurais.  Esta situação exige a implementação dos serviços urbanos de saneamento (água, esgoto, lixo, controle de vetores e de roedores e habitação), tendo em vista a manutenção da qualidade de vida e saúde da população.  Em contrapartida, a população localizada nas áreas rurais tem ficado alijada da possibilidade de receber igual tratamento, em face da situação política, econômica e institucional em que se encontra o País.

               Das 10.080 localidades urbanas, 73,2% (ou seja, 7.381 localidades) constam como abastecidas com sistemas de água e 37,8% como atendidas com sistemas de esgotamento sanitário.

               Existem 24 milhões de economias abastecidas com água, das quais 78% atendidas pelas empresas de saneamento e 22% por outros órgãos, enquanto 10,7 milhões são servidas com sistemas de esgoto sanitário, o que beneficia 44 milhões de habitantes.

               Sendo o saneamento encarado como de interesse multi-setorial, a estruturação dos sistemas se dá da seguinte maneira: empresas de saneamento (61,6% dos sistemas de abastecimento de água e 42,2% dos sistemas de esgotamento sanitário); prefeituras municipais e outra entidades (38,4% dos sistemas de abastecimento de água e 57,8% dos sistemas de esgotamento sanitário).     

              No âmbito das empresas de saneamento existem 14,4 milhões de ligações de água para atender 18,8 milhões de economias, produzindo uma relação de 1,31 economias/ligação.  Essas ligações atendem a uma população de 78,2 milhões de pessoas, o que corresponde a 84,9% da população das localidades servidas pelas empresas, equivalendo a 5,44 habitantes/ligação ou 4,15 habitantes/economia.  Das ligações existentes, consta que 70% possuem hidrômetros.

               A extensão das redes de distribuição é de 180 mil quilômetros, representando, em média, um índice de 12,51 metros por ligação.  O  volume de água fornecido diariamente pelas empresas alcança 19,6 milhões de metros cúbicos, dos quais 91,9% são tratados, 41% são medidos e 64,5% são faturados.
               Com relação ao sistema de esgotos, a população servida pelas empresas é de 28,5 milhões de pessoas, atendidas por 4,2 milhões de ligações, que servem a 7,1 milhões de economias, correspondendo a 6,78 habitantes por ligação e 4 habitantes por economia, produzindo uma relação de 1,7 economias por ligação.  Da população atendida pelas empresas, 44,3% estão servidas por sistemas de esgotos.  A extensão de redes coletivas totaliza 46,7 mil quilômetros, o que representa um índice de 11,1 metros por ligação.
















               As empresas de saneamento apresentaram, em 1989, um faturamento de 208,4 milhões de dólares, dos quais foram arrecadados 136,3 milhões de dólares (64,5% do faturado).  Os investimentos realizados em 1989 alcançaram 4,82 bilhões de dólares, sendo 2,65 bilhões (55%) em sistemas de água e 2,17 bilhões (45%) em sistemas de esgotamento sanitário.  Dos investimentos totais, 38,2% foram destinados para água nas capitais e 16,8% para água no interior.  Para esgotos, os percentuais foram, respectivamente, 34,2% e 10,8%. 
               As atividades das empresas de saneamento evoluíram significativamente nos últimos quatro anos antecedentes a 1990, o que fica evidenciado pela expansão dos serviços mediante a ampliação dos sistemas operados e a incorporação de novas localidades que desenvolveram seus próprios sistemas.
                              No tocante ao quadro de pessoal, no período em questão, houve igual acréscimo significativo no número de empregados, equivalente a 8% da força de trabalho existente em 1986.




UM PROJETO PARA O FUTURO


               A situação do saneamento no Brasil apresenta um caso estacionário e com tendências a acentuar o déficit nacional no atendimento em abastecimento de água, que há anos vindo sendo progressivamente diminuído.  Quanto ao esgotamento sanitário, verifica-se um aumento progressivo do déficit nacional.
               O Ministério da Ação Social apresentou, em 1990, um Plano de Investimentos da ordem de US$ 20 bilhões, incluindo neste montante parcela significativa do FGTS, oriundo da contribuição dos trabalhadores.  A experiência tem demonstrado que a maior parte dos recursos são aplicados em modelos de abastecimento e de tratamentos convencionais, não atendendo indicações e recomendações técnicas de órgãos e/ou profissionais estudiosos do assunto.  Assim, por exemplo, nas comunidades de baixa renda (favelas), embora se considere essencial a atuação efetiva da comunidade na implantação do projeto – e consequentemente sua funcionalidade – tem se observado com frequência a contratação de empresas para a construção dos projetos sem o comprometimento com a conscientização da comunidade da necessidade do uso adequado dos sistemas.
               Registra-se, hoje, no País, um discurso pluralista de apanágio da livre iniciativa e privatização.  Tudo indica, entretanto, que as áreas ditas sociais não serão as primeiras a serem privatizadas, já que, em seu conjunto,  requerem grandes investimentos, e por se destinarem a atender pobres e ricos com reduzido ou nenhum lucro, é, em muitos casos, difícil ou impossível evitar o déficit.

O fracionamento das entidades, autarquias ou empresas estatais de saneamento, privatizando os segmentos que oportunizam lucro maior, pode levar a verdadeiros desastres quando, no futuro, os compradores se negarem a fazer os investimentos necessários.  Sendo os serviços indispensáveis, o Estado terá de arcar com os investimentos.

               Por outro lado, os serviços de saneamento necessitam de participação e fiscalização comunitária permanente, o que nos leva a preconizar o municipalismo.  Como indicado anteriormente, a experiência municipalista no passado, antes de 1964, foi negativa. 

               A experiência positiva dos Serviços Autônomos de Água e Esgotos da antiga Fundação SESP mostrou que é possível se atender ao ideal municipalista tendo como fórmula intermediária a administração dos serviços autônomos de água, esgoto e lixo por entidades especializadas, pagando a população taxa de administração pelos serviços. 

               Tais entidades podem ser a Fundação Nacional de Saúde, Empresas Estaduais de Saneamento ou autarquias municipais maiores, equipadas e capacitadas sob a forma de convênios.

               Um dos nós górdios é a forma de exploração atual dos serviços pelas empresas estaduais de saneamento, que desvinculam os serviços do município, pois os receberam em arrendamento por prazo fixo e sua devolução ao município implica, por parte deste, pagamento pelo acervo antes de sua devolução, já que não participou do financiamento de sistemas.

               Uma saída para o problema é transformar as Empresas Estaduais em empresas holding, devendo os municípios integralizar suas cotas de acordo com a avaliação das obras neles (municípios) já executadas pelo PLANASA.  Sem enfrentar esta questão cerca da metade dos municípios não terá garantida sua autonomia municipal.

               As diversas formas de financiamento das obras como, por exemplo, através das dotações orçamentárias, através do sistema PLANAS, ou dos financiamentos externos, deixaram muito a desejar no passado.

             As dotações orçamentárias federais e estaduais pecaram pela inconstância, pulverização de recursos, cortes anuais e, de modo geral, pelo pequeno montante das somas alocadas em relação às reais necessidades.  O sistema PLANASA, como já foi comentado anteriormente, levou, além da alienação do município e dos munícipes, a impasses na reposição dos fundos. 
 
               Para a viabilização de obras em nossa realidade é necessário, em qualquer caso, o uso de tecnologias apropriadas de menor custo (Cynamon, 1986).  No interesse de todos e de cada um as obras de saneamento devem ser abrangentes e atender a toda a população.  Isso significa dizer que os que têm maiores posses estão tecnicamente – e do ponto de vista racional – interessados em que os mais pobres também tenham os serviços que eles têm.  

               Com base no Princípio da Viabilidade Global de Saneamento, pelo qual deve ser atendida 100% da população – caso contrário seus efeitos ficam acentuadamente diminuídos, afetando até mesmo a população pretensamente protegida – passa a ser aceitável pensarmos na condição da parcela populacional mais favorecida (10% que detêm 90% da renda nacional) custear integralmente a solução global de saneamento para o País.  Ou, pelo menos, grande parte da solução, cabendo o restante às camadas populares favorecidas da população brasileira.  Os prazos de financiamento devem ser adequados, simultaneamente, à capacidade de pagamento da população e à viabilidade econômica do sistema.

               O custo de uma consulta médica é, no mínimo, dez vezes maior do que a tarifa cobrada pelos serviços de abastecimento de água e tratamento de esgoto.  E são bastante difundidas as informações de que uma grande parcela das internações, dos óbitos e da morbidade em geral se deve às más condições nacionais de saneamento.  Dessa forma, é necessário que o Estado, através dos órgãos de saúde pública e saneamento, volte-se para a implementação maciça de ações de saneamento, concomitantemente às ações de saúde.

               Deve-se considerar ainda questões sobre a formação de pessoal e a pesquisa.  Sugere-se:

               – Estancar a dispersão do pessoal arduamente treinado, assegurando o trabalho e a remuneração adequados.
               – Estimular a formação de pessoal nos diversos níveis.
               – Implementar um programa de pesquisa de soluções alternativas para água, esgoto, drenagem urbana e resíduos sólidos. 

               Por fim, cabe recomendar a revisão e reelaboração do programa de extensão progressiva dos benefícios para a área rural, bem como a ação coordenada ente entidades de Saúde Pública, com intercâmbio de informações, participação dos programas de vigilância sanitária, programas comuns de promoção, informação e educação junto à população.




REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1 A distribuição dos investimentos nesse período foi calculada a partir de dados do BNH    (1964) apresentados na tese de Fiszon (1970)
2 Dados obtidos no CABES XI, XII, XII, XIV e no CABES XV.
3 Os dados constantes deste informe foram retirados do catálogo da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária/CABES, 1990.

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