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quarta-feira, 6 de agosto de 2014

ESCOLA NACIONAL DE SAÚDE PÚBLICA



ESCOLA NACIONAL DE SAÚDE PÚBLICA


Jorge Campos Valadares

Escola Nacional de Saúde Pública
Fundação Oswaldo Cruz
Rio de Janeiro, Brasil



            É importantíssimo ressaltar de início que o trabalho examina, de maneira praticamente exaustiva, o pensamento mais substancioso sobre o tema da ecologia que possa interessar a cogitação de nossa época.  É, por isso, um documento de grande valor.
            Os comentários feitos a seguir serão mais relacionados com o que diz respeito às formulações vinculadas à condição humana dos ‘sujeitos’, relativa aos indivíduos, os quais são sempre descentrados, pelo simples fato de serem, em sua mais profunda (sub)essência, lançados (jectum) de um lugar, de algo central, mas esquecido, por razão de ‘con-veniências, sempre pessoais.  Nessa perspectiva examinaremos dois significantes considerados no texto: a vigilância e a solidariedade.
            A maior ou menor artificialidade ou naturalidade que o sujeito humano consegue admitir, colocar diante de si, dependerá, se marcamos nossa reflexão pelo percurso do pensamento freudiano, do movimento, sempre pessoal a partir de uma cisão interna definitiva, entre natural e cultural, moduladora do mundo emocional, que é eixo para a hominização.  Note-se que, assim pensando, a essência do humano é a artificialidade, a modelagem e a modulação, a simulação, ou mesmo a dissimulação.
            O cuidado necessário manifestar-se-ia por isso, inicialmente, com uma visão mítica da natureza, e haveria a possibilidade, neste caso, de um equilíbrio que, em nossa visão, somente seria possível na ordem do divino.  Essa postura é aquela que parece nortear também a visão dos teóricos que olham para os grupos vendo sujeitos aí envolvidos, sempre em conflitos íntimos e tomados, cada um, por diferentes artifícios do viver e, com isso, não teriam jamais acesso a uma homeostase do corporal.  Esta, em uma visão bastante ideal, poderia ser, em alguma situação, ligada àquele ‘equilíbrio ecológico’ que, por sua vez, estaria, paradoxalmente, à prova das emoções que o fizeram comover-se com a natureza, ou seja, à prova da necessidade ou do interesse (Freud, 1974b, c) que, mais profundamente, aciona-os. 
            Movidos por essa forma de análise não teríamos, por exemplo, por que nos admirar com a posição do Brasil em Estocolmo em 1972, nem com os pescadores famintos que não respeitam a regulamentação da periodicidade da pesa, muito menos com a mortalidade ou morbidade elevadas, sobretudo quando se trata da infância.
            É certo que a sociedade não deve e jamais ficará passiva diante do egoísmo de alguns.  Mas parece, diante do fracasso de certos processos didáticos, de certos planos urbanos, regionais e globais, e também daqueles de preservação do ambiente em geral, que a ‘vigilância’ não deve ocupar lugar privilegiado nos processos educativos.  Assim, parece central que algum método de formação deixe de lado perspectivas mais ideais de controle, com relação à não-‘com-sider-ação’ dos sujeitos, os quais não se submetem e que a qualquer momento podem se fazer presentes, com o retorno do que lhes foi imposto esquecer, mesmo por um ‘bom comportamento’ sempre esperado.  A ecologia e seus limites são um campo privilegiado para essa formação, que teria, a nosso ver, o sentido dado no trabalho de preparo da militância do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, e da formação de psicanalistas. 
                Aí, o que foi esquecido é continuamente revisitado, pois o central a ser construído, formado, é uma nova imagem (building) da vida, sempre em tempo de formação (building) e, então, os ressentimentos pelas privações não seriam colados ao que é necessário faltar, em uma perspectiva do bem comum, sem o qual os próprios sujeitos não existem.  O que a psicanálise tenta mostrar é que é uma regressão, ou um ‘re-voltar’ da ordem do rancor, acionada por uma necessidade vivida no presente, pode levar os sujeitos a uma passagem ao ato, na qual gestos impensados impedem a evolução do pensamento, a única chance para a evolução da cultura, pois a reflexão parte da contínua ‘re-con-sider-ação’ do egoísmo. 
            O trabalho com a ecologia, pelas metáforas que possibilita, pode ser um recurso útil não somente no trato de fontes naturais limitadas mas também no desenvolvimento da consciência do que seja o caminho do humano.  Neste aspecto, é central a aceitação da carência, a consideração da cárie como centro da constituição humana, onde algo de início está definitivamente perdido e onde o precário instala-se como fundador.
            Nessa perspectiva, qualquer solidariedade somente seria possível na medida em que não mais houvesse a necessidade de uma urgente obturação de faltas que, vistas como falhas, rateios, poderiam ser consideradas justamente como o lugar de encontro do humano.  A falha, esse espaço de desamparo e de abandono (Hilflosigkeit, Freud, 1974) ocasionado por uma prematuridade sempre presente no momento da enunciação, que parte do sujeito, impedirá a eficácia de discursos plenos, complementares, próprios da repetição de enunciados de outros.
           Do centro da solidão que sempre evoca esse lugar, próprio do sujeito, e somente de onde ele poderá escrever seu nome próprio, que não é um ato cartorial, é que nascerá alguma possibilidade para o gesto solidário.  A capacidade de solidão está imediatamente ligada à capacidade de preocupação (concern) (Winnicott, 1982). Por isso defendemos a ideia de que esse espaço, quer do ponto de vista ambiental mais amplo, quer do ponto de vista da arquitetura mais imediata e dos dispositivos institucionais, em lugar de fortificar uma vigilância deve incentivar práticas de desenvolvimento de imaginário nas quais os movimentos relativos a ‘pequenos grupos’ (Valadares, 1994) devam ser intensamente independentes do número de pessoas – as árvores telemáticas ou o grupo momentâneo ‘da copa’ – e onde o murmúrio possa exercer sua função de elaboração da dor e de elevação do protesto conta a repetição.
            O fenômeno do consumo tem elevado o nível do mal-estar pela pobreza psíquica que acarreta, a partir de artifícios do mascaramento da repetição, inclusive com a internacionalidade editorial, com mecanismos de racionalização que chegam a exasperar pela total frieza diante do outro que, no caso, não merece a mínima comoção.  Com a informática todos somos autores e editores.  Isso traz para a indústria editorial uma figura divulgadora sem precedentes.  A informação toma, então, o lugar da formação e os sujeitos usam as modas editoriais como espaço de camuflagem de seu abandono e da voracidade correspondente, especularizada na tensão de uma ecologia de ideais que pode ser devastadora. 



BIBLIOGRAFIA

·       FREUD, S., 1974ª. O futuro de uma ilusão. In: Obras Completas, V. 21, p. 13-71.
·       FREUD, S., 1974b. Sobre o narcisismo. In: Obras Completas. V. 10, p. 89-119.
·       FREUD, S., 1974c. A concepção psicanalítica dos problemas psicogênicos da visão. In: Obras Completas. V. 11 p. 193-203.
·       VALADARES. J. C., 1994. Espaço, ambiente e situação do sujeito. Tese de doutorado. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz.
·       WINNICOTT, D. W., 1982. O ambiente e os processos de maturação. Porto Alegre: Editora Artes Médicas.





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