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quarta-feira, 26 de março de 2014

O RANCOR DA HISTÉRICA M. MASUD KHAN






O RANCOR DA HISTÉRICA



M. Masud R. KHAN


Em todas as culturas o histérico usou uma máscara que reflete tanto a moralidade manifesta quanto as aspirações sexuais mais escondidas do ethos de uma época. É assim que foi ora identificado com as bruxas e queimado, ora santificado e celebrado. Foi somente no século XIX que Charcot estabeleceu o estatuto do histérico, reconhecendo uma síndrome clínica específica digna de atenção. Entretanto, na condição do histérico, até mesmo Charcot não via mais do que uma exibição psiquiátrica espetacular.
 Incumbiria ao gênio de Freud definir a natureza e o caráter desse mal. E Freud chegou a isso respeitando a "resistência" do histérico a ver conhecido seu mal, bem como sua recusa e má vontade em cooperar com sua própria análise. Freud postulara que o não‑saber do paciente era, de fato, um não‑querer saber: concluiu que era "um não‑querer que podia ser mais ou menos consciente". Todos sabemos que Freud começou por atribuir esse não‑saber a episódios de sedução sexual real na infância, antes de relacioná‑lo com fantasias de sedução recalcadas que o paciente expressava, então, através de uma linguagem somática, mas dos quais recusava tomar consciência, psiquicamente.

Ao longo da história, a sexualidade bizarra dos histéricos foi estigmatizada como o traço característico de suas personalidades. A novidade, na abordagem freudiana, foi que ao determinar a etiologia dos sintomas histéricos Freud isolou o papel predominante quase exclusivo da sexualidade infantil, o que modificou inteiramente a maneira de abordar o problema. Não se deveria mais maltratar o histérico considerando‑o como um mentiroso psicopata ou um gozador depravado, mas como um indivíduo tentando enfrentar experiências de seu primeiro desenvolvimento que, por um lado, ficavam muito além dos meios à disposição da personalidade nascente e para as quais, por outro lado, encontrava pouca compreensão no meio familiar.

Desde os primeiros escritos de Freud sobre a histeria, quer dizer, há quase oitenta anos, não tivemos muita coisa na literatura que nos permita compreender melhor o histérico. Pelo contrário, seu estatuto clínico foi confundido com o de problemas mais graves da personalidade. Minha hipótese aqui será de que o histérico, quando dos primeiros anos de sua infância, responde as falhas de cuidados maternos suficientemente‑bons e tem um desenvolvimento sexual precoce. As primeiras angústias e os primeiros afetos engendrados pela falha de um ambiente de sustentação e suporte (holding) apropriado e a ameaça que isso resulta para a coesão do ego nascente são conjurados pela intensificação, bem como pela exploração, dos aparelhos sexuais do ego‑corpo. É por isso que, desde o início, estabelece‑se uma dissociação entre a experiência sexual e a utilização criativa das capacidades do ego.
São essa dissociação e a técnica específica utilizada para enfrentar a excitação e a ansiedade, que conferem a essa personalidade, quando da idade adulta, o caráter sexual bizarro e particular que marca ao mesmo tempo seu comportamento e sua sintomatologia.
Se na vida adulta o histérico responde à angústia através da  sexualização, emprega para isso (nas relações de objeto) os aparelhos sexuais do ego‑corpo ao invés do modo de relação afetivo e das funções do ego. A promiscuidade e as inibições que marcam essas experiências sexuais são o resultado disso. O histérico tenta realizar, utilizando os aparelhos sexuais, o que os outros realizam graças ao funcionamento do ego. Isso vale para seu desejo ardente de experiência sexual, desejo que só combina com sua incapacidade de manter uma relação amorosa ou de alimentar‑se dela. É por isso que, na experiência que têm de si mesmos, os histéricos vivem num estado psíquico de rancor perpétuo. Eles sentem que alguma coisa fica fora de seu alcance ou que seus desejos não são reconhecidos pelo que são. Aquilo que na experiência infantil era uma incapacidade do ego nascente ‑ a criança não recebendo proteção adequada do ambiente em que vive ‑ na vida adulta é projetado e experimentado como uma recusa dos outros de reconhecerem seus desejos (em grande parte sexuais) e de satisfazê‑lo. Todos os histéricos, homens e mulheres, acreditam sinceramente que se suas aspirações e seus desejos sexuais fossem gratificados, ficariam curados. Atribuem sua incapacidade de chegar a essa gratificação com um parceiro à impossibilidade desse parceiro de aceitá‑los totalmente, e de amá-­los.
Se é verdade que o histérico, quando de seu primeiro desenvolvimento psico‑ sexual, substitui a exploração sexual do ego‑corpo ao desenvolvimento das funções do ego, podemos então compreender por que ele se mostra fundamentalmente ambivalente e hostil diante das capacidades de seu ego interior, mas testemunha também uma má vontade hostil e invejosa em relação a todo funcionamento do ego no objeto amado, quando da vida adulta. A promessa do potencial do ego do histérico contribui largamente para seu charme, tanto como paciente quanto na sociedade. Mas esse potencial é constantemente sabotado, inconscientemente, em proveito da solução sexual. O histérico não cessa de lutar contra as bases que poderia encontrar no seu ego.
        A histeria é, antes de tudo, uma doença que encontra seu caráter e sua forma na puberdade, o que vem confirmar minha hipótese, porque na puberdade a luta entre a sexualidade e o funcionamento do ego conhece uma nova confrontação crítica; e a escolha do histérico recai inevitavelmente na solução sexual.
 Essa escolha é pré‑condicionada pelas experiências infantis. Daí a onipresença intrusiva das fantasias infantis sexuais pre‑genitais, bem como genitais, e seu deslocamento para as funções do ego na formação da identidade do histérico. Por essa razão, ele procura resolver novas tarefas da vida de maneira todo‑poderosa e, através da imaginação sexual e de uma cumplicidade com os adultos, suplica‑lhes que se encarregarem das necessárias funções do ego. Sua excessiva dependência com relação ao objeto amado adulto é uma técnica que consiste em delegar as funções do ego pessoal a fim de viver através da solução sexual. E mesmo quando o histérico encontrou essa solução em alguém, isso nunca dura. Termina inevitavelmente, em razão de sua lógica inata e escondida, em rancor e queixas. Por quê?
A resposta para essa questão é triplice. Minha experiência clínica faz-­me pensar que na puberdade as histéricas não descobrem a sexualidade genital como uma coisa nova,  que ofereceria uma nova possibilidade a seus egos‑corpos. No desenvolvimento sexual de sua infância houve fuga para uma sexualidade "genital" prematura que era um meio de enfrentar a imaturidade do ego. Essa sexualidade "genital" é, necessariamente, sobrecarregada de impulsos e de fantasias pré‑genitais. Assim, a sexualidade nascente na puberdade não é uma surprêsa para o histérico e não enriquece sua personalidade como uma nova experiência, mas revifica todos os sistemas fantasistas pré‑genitais, e mantem um conflito agudo com o código moral e os valores que o indivíduo assimilou no caminho. Nesse clima interior conflitado o histérico vive a si mesmo como uma "vítima" das forças instintivas e dos preconceitos morais sentidos como não sendo de sua própria criação. A única solução possível parece ser o "agir". Mas em razão da dissociação entre a fantasia sexual e as funções do ego, os histéricos ficam passivos, na expectativa, esperando alguém que os ajudará a "agir" esse amálgama estranho de sexualidade pré‑genital e genital que é o deles.
Tratando perversos, um fato impressionou‑me sempre, o de que, frequentemente, seus cúmplices (suas vítimas) eram mulheres histéricas. O histérico necessita, por assim dizer, de uma facilitação sexual da parte do outro para poder agir suas fantasias sexuais latentes ou recalcadas. É por isso que sente‑se sempre inocente em tudo o que, na sua vida, é atualizado como sexual. Tem o sentimento de que fazem como ele mais do que ele faz, que pecam mais contra ele do que ele mesmo é pecador.
Ademais, consciente e abertamente, é raro que o histérico procure um objeto com vistas a uma experiência sexual explícita. O desejo e a intenção sexuais são expressos mais como uma implicância e uma provocação, do que como uma necessidade que reconheceria em si mesmo A revindicação de gratificações sexuais afirma‑se, frequentemente, quando a relação de objeto azeda e  o objeto amado começa a desesperar de encontrar com ele uma emoção mútua. Quando suas relações terminam, o histérico, da maneira mais triste e mais irônica, descobre a verdadeira necessidade que navega no início. O que procura através da solução sexual é essencialmente a facilitação de um funcionamento inapropriado do ego.
 É essa dissociação fundamental entre o ego‑corpo e as funções do ego que cria um outro estado desastroso para o histérico. O sucesso da solução sexual significa, inconscientemente, a castração das capacidades do ego. A rendição sexual ao objeto acarreta, para o ego, a ameaça de aniquilação, donde a recusa absoluta do histérico diante do objeto procurado e desejado.
Chegamos agora ao segundo fator que milita contra o sucesso da solução sexual com um objeto exterior. Em todo modo de relação de objeto entre o histérico e os outros há um desconhecimento fundamental. O objeto lê nos gestos do histérico, a expressão de aspirações e desejos sexuais e responde neste sentido, enquanto que estes são antes de tudo uma linguagem simbólica do corpo procurando expressar as necessidades primitivas de solicitude e proteção. É por isso que a experiência sexual constitui, para o histérico, uma traição de confiança e uma exploração brutal do potencial sexual. Uma paciente, cuja tumultuosa aventura com um homem muito rico terminava, expressava assim seu rancor: "O que eu precisava era de ser amada, e tudo o que consegui obter foi ser tratada como uma puta".
Essa desconfiança em relação ao objeto gratificante adulto é pré‑condicionada no histérico pelo caráter das primeiras experiências infantis. As necessidades corporais foram satisfeitas, mas as necessidades do ego não foram nem reconhecidas, nem facilitadas, o que era essencial. Ademais, o histérico projeta sua própria traição do processo do ego através de um desenvolvimento sexual precoce com os objetos adultos numa nova situação. Nesse contexto, a essência de seu rancor é que o novo objeto de amor não conseguiu distinguir entre os desejos do Id e as necessidades do ego.
Isso leva‑me a expor a terceira razão pela qual a solução sexual é um fracasso para o histérico. Uma das contribuições decisivas de Freud para a epistemologia da experiência humana é de ter estabelecido que os sintomas histéricos são uma comunicação e que esse modo de comunicação tem sua própria gramática no funcionamento psíquico humano. Freud soube decifrar como os sintomas histéricos comunicam os sistemas de desejos recalcados e inconscientes, largamente originados na sexualidade infantil.
Winnicott acrescentou a essa hipótese uma outra dimensão quando distinguiu os sistemas de desejos inconscientes (Id) dos sistemas de necessidades inconscientes (ego). Sua tese é que os sistemas de desejos podem ser tratados por processos intrapsíquicos, quer dizer, deslocamento, projeção e recalque, enquanto os sistemas de necessidades reclamam uma facilitação exterior afetiva e a sustentação do ambiente familiar ao qual incumbe prodigar certos cuidados para que as capacidades nascentes do ego da criança tornem‑se, com o tempo, progressivamente capazes de se objetivarem de maneira autônoma. Tentando compreender a natureza do funcionamento afetivo e psíquico das crianças delinquentes, Winnicott introduziu o conceito de tendência anti-social.
                  Grosso modo, a hipótese a Winnicott é de que se pode encontrar tendência anti‑social em todos os distúrbios da personalidade. A presença dessa tendência indica que "houve uma verdadeira privação" na primeira infância do indivíduo. Essa privação é ligada às boas experiências na vida da criança, que conhecem, assim, uma ruptura ou  se perdem durante um lapso no qual a criança não é capaz de conservar a lembrança do que havia sido bom e positivo. Mais tarde, o indivíduo "agirá" essas experiências traumáticas através da tendência anti‑social. O que caracteriza essa tendência é um "elemento que obriga o ambiente familiar a ser importante" e, ademais, implica a esperança e representa uma tendência à auto‑análise.
O conceito dessa tendência anti‑social é para nós muito precioso porque nos permite compreender a condição do histérico. Parece‑me que o histérico exprime a tendência anti‑social exclusivamente através das experiências sexuais. Quando do processo de desenvolvimento, o histérico safou‑se atavés de um desenvolvimento sexual precoce, como uma providência paliativa, o que Winnicott chamou de a falha da mãe  "que não pôde suprir as necessidades do ego" da criança. É o que faz da sexualidade adulta do histérico não tanto o veículo da gratificação instintiva, mas um idioma que lhe permite comunicar a privação e uma técnica para exprimir a esperança de que o objeto saberá curar a dissociação ao decifrar as necessidades do ego inconscientemente expressas no que se apresenta como uma complacência sexual manifesta e na procura do isso.
Os histéricos são bem conhecidos por seu dom particular em achar os objetos que lhes convém, mas isso unicamente, para mantê‑los no fracasso e desconcertá‑los. A "promessa" da personalidade histérica traz em si mais uma esperança do que um desejo ou uma capacidade.
Voltarei agora à hipótese inicial de Freud sobre o papel do trauma real - a sedução na etiologia da histeria. Há mesmo um trauma real na etiologia, a falha da mãe em suprir as necessidades do ego da criança. A criança trata a si mesma desse trauma, através da exploração sexual das experiências do ego‑corpo, com o que estabelece o modelo de base que valerá para toda situação de stress e de conflito que o histérico conhecerá ulteriormente. Essa autocura condiciona tanto a utilização dos objetos, como as capacidades de  ego do histérico.
Se o histérico iniciou o processo de terapia analítica, ele o encurralou  também seus últimos limites. Nesse dez últimos anos, numerosos analistas colocaram em questão sua analisabilidade. Elisabeth Zetzel, com uma grande pertinência, definiu bem o estatuto atual do histérico na psicoterapia analítica quando diz que os histéricos "podem ter desenvolvido uma neurose de transferência intensa, hiper-sexualidade, mas que existem neles poucos traços de uma situação analítica estável. Nenhum deles parece ter feito um progresso autêntico no sentido da resolução analítica de seus problemas reais".
Penso que a razão disso é nossa incompreensão do modo de comunicação do histérico, que comunica consigo mesmo e com os outros através da formação de sintomas. Sua capacidade de criar, manifestar e explorar os sintomas encobre sua total incapacidade de utilizar o funcionamento mental psquico, bem como a afetividade na relação consigo mesmo e com o objeto.
Anna Freud avançou a idéia de que, nos perversos, o medo central é o da rendição emocional ao objeto. No histérico, o medo fundamental é o da rendição psíquica ao objeto. Suas passividade e sugestibilidade induzem-nos a êrro clínico na avaliação verdadeira da negatividade em relação ao funcionamento psíquico. O rancor do histérico defende‑o, além do mais, da ajuda que gostaríamos de trazer‑lhes, para permitir‑lhes enfrentar essa incapacidade. O histérico coloca as pessoas que o circundam em estado de agir sobre ele, ou por ele, mas permanece inacessível a um diálogo psíquico e a uma colaboração mútua.
Se é verdade, como suponho, que no processo de desenvolvimento na infância o histérico substituiu pelo desenvolvimento sexual precoce a integração do egó, podemos então pensar que o medo da rendição psíquica comporta para ele a descoberta de que nele só existe um funcionamento criativo ou uma afetividade muito pobres. Esse "branco" constituiu a condição essencial do histérico e milita antes de tudo contra uma utilização positiva do processo analítico para o conhecimento de si e a personalização. A histeria não é tanto uma doença, mas uma técnica consistindo a permanecer em um "branco", como um ausente de si, com sintomas que são substitutos e permitem camuflar essa ausência.
Uma questão coloca‑se então: o que, no histérico, durante a primeira relação mãe‑filho, tornou necessário um "branco" e provocou essa ameaça de rendição psíquica? Em outros termos, por que a vida interior do histérico torna‑se um cemitério de recusas?
 Evocarei uma análise em curso, de uma mulher casada, para esclarecer a natureza da perturbação mãe‑filho subjacente à recusa que opõe a histérica ao modo de relação ao objeto, e isso em beneficio de uma hiper-sexualização das gratificações parciais de objeto.
Após um ano de uma análise muito produtiva, que tinha ajudado a paciente a compreender grande parte de suas dificuldades, relativas, por um lado, à frigidez sexual, e, por outro, a inibições intelectuais, o processo clínico chegou de repente a um ponto morto. Durante as seis últimas semanas ela foi incapaz de falar na análise. Paralelamente, seus sintomas de frigidez reapareceram em sua vida conjugal; ficou também incapaz de abrir um livro. A inércia invadia seu comportamento, na análise e na vida exterior. A idealização hiper-sexual que me testemunhava transformou‑se em uma denegação passiva: tornei‑me tão inútil quanto qualquer outra pessoa até então em sua vida. Ficou igualmente incapaz de comer, o que me conduziu a interpretar que a regressão tinha chegado a um modo oral muito arcaico, que traduzia seu desejo por mim, onde minha função como pessoa, trazendo compreensão e insight, era vivida por ela como uma ameaça a seu bem‑estar.
Essas interpretações tiveram pouco efeito; ela continuou a punir‑me, vindo regularmente e observando um silêncio cheio de rancor. Acabou dizendo, durante uma sessão, que uma imagem hipnagógica a tinha alarmado. Não era um sonho. Nessa imagem ela chupava meu falo. Mas quando tomava consciência disso, percebeu igualmente que enquanto pessoa total eu não estava presente: havia somente um falo. Foi‑me possível, então, dizer­-lhe que era incorporando‑me pela felação ‑ incorporação sexual e regressiva de objeto parcial ‑ que ela conseguia manter‑se, rejeitando‑me ao mesmo tempo como uma pessoa ameaçadora. Ela pôde então lembrar‑se, num contar cheio de vida, que, desde a mais tenra infância, fora consciente dos cuidados indulgentes que sua mãe lhe prodigava, particularmente quando a alimentava; mas tomou igualmente uma consciência aguda de um certo estado emocional de sua mãe, do qual precisava proteger‑se. Graças a esse material, do qual não posso trazer aqui toda a complexidade, podemos postular que, na infância, o histérico toma muito cedo consciência do humor subjetivo da mãe, humor que faz intrusão na função "cuidadora". Nessas circunstâncias, a criança sexualiza uma relação de objeto parcial (gratificação pelo seio ou seus substitutos) para recusar essa intrusão provocada pela emotividade da mãe e uma relação próxima demais às quais  as capacidades do ego nascente não podem enfrentar. É esse medo da reciprocidade que detona no histérico uma luta que durará toda a sua vida entre a procura e a excitação dos objetos, por um lado, e sua recusa no ato mesmo de gratificação. É por isso que pude dizer que o mundo interior do histérico é um cemitério de recusas. Ademais, como Freud mesmo sublinhou, o histérico por excelência lembra‑se por repetição. As lembranças que o histérico guarda de sua primeira infância são lembranças principalmente somáticas, relativas aos cuidados maternais e não se prestam nem à elaboração psíquica, nem a verbalização. Daí a demanda que fazem os histéricos, na situação clínica, de uma gratificação sexual. E, como essa demanda não pode ser satisfeita, sua tendência à passagem ao ato.
É essa orientação da sensibilidade do histérico que leva o processo analítico a seus limites. A proteção do ego que os cuidados materiais maternos conseguiram fornecer às necessidades do recém‑nascido e da criança pequena, acompanhou‑ se, no caso do histérico , por um excesso de intru são pessoal por parte da mãe; as satisfações encontram‑se assim idealizadas como uma experiência certa, pois que nela há um começo e um fim. Em oposição, as necessidades do ego da criança escondem‑ se ou exprimem‑se apenas através dos desejos do Id, o que instaura uma confusão perpetua na experiência subjetiva dos histéricos, entre o que são os verdadeiros desejos do Id e as necessidades do ego. Na vida adulta, e particularmente na situação analítica, o que começa como uma demanda de relação de objeto, indo no sentido da compreensão de si, transforma‑se muito cedo numa reivindicação confusa de suas satisfações. Nesse contexto, a função interpretativa do analista é vivida pelo histérico como um ataque fálico ou uma sedução. É por isso que o histérico deve recusar a relação total e retornar à segurança que lhe oferece esse "branco" que é ao mesmo tempo a negação de si e do objeto.


Tradução:                                       Paula de Sousa Caldas.
Revisão técnica:                             Jorge de Campos Valadares
Revisão de língua Portuguesa :        Marcos Fernandes Moreira

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