CURIOSIDADE ACERCA DO PODER
Jorge de Campos Valadares
PARA
Nathanael, Célio e Chebabi
PARA
Sávio, Lenita e Hortensia
No
saber deve-se procurar
o que
se ganha e o que se perde...
de
acordo com uma estratégia (método)
Chaim Katz
PRIMEIRO MOMENTO
Quanto ao Poder
Localizar
o exercício do poder. Tarefa inglória, danada, em que, hoje, estão tantos
envolvidos. Como muitos que lidaram e
ainda lidam com o desejo e com a transmissão, ou seja, com o saber. Profissões impossíveis as de educar,
analisar, governar, nos diz Freud.
Não
há localização para o poder, nos diz Foucault.
Está em toda parte, é inútil querermos apontá-lo, subordiná-lo,
apropriarmo-nos dele. Não é algo
concreto “que uma classe detém”. A
origem das alianças não está no interior das estruturas políticas ou mesmo nas
negociações. E, mesmo assim, é preciso
alguém para “fechar negócios”...
Tema
atuais, aqueles relativos ao “indivíduo” e ao “grupo” ou às “massas”, ou os
temas da multiplicidade e da singularidade.
Esclarecem ao mesmo tempo que lançam sombras sobre as origens e os
lugares frequentados pelo poder. Onde
nascem e quais circunstâncias da vida do Nomeado?
É lógico que não estamos falando na publicação
do Diário Oficial. Essa publicação não
denotaria antes a nomeação de quem “nomeou”? O nome dado àquele que nasce vem
de uma situação de impossibilidade, nos ensina Célio Garcia. Édipo era o que tinha pés inchados...
Que
singularidade tem este “Outro” (o Nomeado), eleito não pelas particularidades
do grupo, em um processo em que a unidade desse grupo é confundida com a
“coesão” das massas. Que identidade
teria este “Outro”, desde que ninguém, para ser si mesmo, pode ser idêntico a
alguém? E como em “crescimento”, nem o “si mesmo” é alguém sempre idêntico, no
tempo...?
E,
ainda assim, procuramos alguém para nos identificarmos... em uma perspectiva de
nos separarmos dele. O tema do duplo, da
intrusão, na psicanálise, só pode ser visto assim. “Estamos no grupo de costas para a
imensidão”. Todos sabem disso. “E a qualquer momento podemos voltar”. Estamos, no grupo, fascinados...
O
“Outro”, para que assim o seja, exerce sobre nós esse fascínio. É inútil olhar para o espelho, no diz Serge
Leclaire, mas olhe mesmo assim... Falar sobre o “Outro” nos fascina. Estão aí as pesquisas sobre o poder...
É
incrível como um “coordenador de dinâmica de grupo” joga um papel em branco no
centro de um grupo. Com que certeza e
com que dúvidas de que alguma descrição vai ser inventada, ele age! Nesse é um
ato político? Algum sentido aí vai ser criado! Esse é um ato analítico? Algo se
transmite! Educa-se? Tudo o que sabemos é que ali se passa algo de jogo. O “líder” brinca com o poder. É ainda Foucault quem nos ensina: “o poder
não se detém, joga-se com ele, arrisca-se com o poder”. É disso que vive o político. “Quem vai na frente bebe água limpa” com os
riscos dos espinhos do cerrado, ao abrir caminhos...
Ninguém
entra em um grupo se não está aberto a esse jogo. Aqueles que, “donos da verdade” (do
simbólico? No imaginário?), querem chegar às provas dos fatos serão antes
“provados” como analisadores, ou bois de piranha, como nos ensinou a análise
das instituições. Pois nos fascina o
“Outro” como nos fascina a imensidão. E
“Outro” e imensidão não são a mesma coisa, como querem as seitas. “Somente nós detemos a verdade”... e “fora de
nós não há salvação”...
Está
aí ao que fica reduzida a Verdade da “Revelação”.
Velada
de novo, a revelação é o mistério.
Apropriado, o mistério torna-se um segredo. O mistério de Cristo seria Segredo da Igreja,
o mistério do Édipo seria o segredo da Instituição Psicanalítica. E há muita coisa em comum entre os dois
mistérios. Não devemos confundir
mistério e segredo, diz Edson Lannes.
O
papel em branco é um Segredo, o falo, “o buraco em que cabe tudo”, como nos diz
Chaim Katz. Menos na medida em que
“religa” do que na medida em que “compreende” a seita detém o segredo, abrange
o que está fora, o que falta. Dentro e
fora é um mito inicial para a construção do pensamento, ensina-nos Jean
Hippolyte, a partir do texto freudiano de denegação.
É
este o trunfo de todos os membros do grupo.
A respeito das verdades, disto todos sabem “intelectualmente” ou, pelo
menos, podem chegar a sabê-lo, um dia, para que se possam dizer pertencendo ao
grupo. Mais soubéssemos sobre o mito
externo/interno, mais saberíamos sobre o poder.
Por enquanto sabemos, com a psicanálise, que, no início, “sempre
existe”, e, a partir daí, vai-se, então, procurar o que existe.
“Bebe
primeiro a água limpa”. “Veste a
Camisa”. É e tem o caminho, eis o
segredo do chefe. Enquanto é e tem esse
caminho, possibilita, como lugar mimético, algum disfarce da
“identificação”. Por mais apaixonado que
esteja, o membro do grupo “sabe” que não é o chefe. Aí está o desamparo de que nos fala Freud, no
Mal Estar, ao qual estamos sujeitos
quando estamos apaixonados.
Enquanto
tem a “camisa”, o caminho, o “odos”, o “metaodos”, a fórmula ou o sonho a ser
encenado, o chefe, mais destituído de sua força imaginária, possibilita a
consciência do jogo. “Caminante non hay
camino”, (Não há água limpa), diz o
poeta, diz o chefe. Deve-se andar. Agir.
“Se hace el camino al andar”.
“Não existe o fato, e sim versões do fato”, diz o político mineiro,
enquanto estudamos a teoria das representações...
O método é um plano e, como sabem os
planejadores, um “partido”. O arquiteto,
a partir do terreno, escolhe uma solução, à qual chama partido. O plano é uma alternativa, um esboço, uma
tentativa, um risco da política. Os
arquitetos eram chamados, antigamente, “mestres do risco”.
Um
grupo de direção, em sessão de análise institucional, se representou como a
“loura de escafandro”: uma figura da crônica jornalística da época. Sem se saber de onde vinha epara onde ia, a
moça chegava em um bar vestida com escafandro e biquíni, pedia um chopp, bebia
e saía, sempre sem ser importunada. Sem
rosto, sem “identidade”, esse era o risco no qual o grupo se colocava. Que mitos e que ritos preparam os grupos para
a sua existência e para a existência de seus membros? Que “meta-odos” e que
ações? Algumas “normas”, alguns “hábitos” serão básicos, nos diz Foucault.
Os
mitos se fundam nas culturas. Não há
nenhuma persona, nenhuma máscara, nenhum papel para aquele que está fora de
todas as culturas. Este não possui um
traço a partir do qual possa inscrever e descrever seu charme, seu charme, seu
encanto, seu sonho. Nem mesmo mimetizar
algum sonho, algum encontro, algum charme em voga. Afirmando que não pode fazer nada com um
rosto que não tenha algo “de dentro”, o maquiador Michelli se equivoca, por
outro lado, ao dizer que o “make up” “máscara só para o Teatro”. Não é o que dizem os grandes atores: Paulo
Autran no “Canal Livre” chamava a atenção para o fato de que se sai de casa
carrancudo, depois de algum dissabor e, logo na rua, encontra-se um amigo a
quem se abraça efusivamente, faz-se alegre...
Mesmo
a moda na “camisa” do grupo implica em algo mais que a cópia. Imitar não é copiar, fala Canguilhem, a
propósito do mimetismo. A imitação
implica algum movimento.
“Façam
tudo que o chefe ordenar”, cochicham os líderes de oposição, fugindo ao
adesismo. Repetir é não participar. Daí a dúvida de saber quem fecha as
instituições. Os líderes ou os grupos?
O
mito é, então, um lugar de aliança.
Estou neste ou noutro lugar? Nesta ou naquela “representação”,
encenação, ou naquele enredo escolhido para o mito? E estou de costas para os
outros, “para a imensidão”, enquanto alguma satisfação me possibilite, sendo,
às vezes, esta, a satisfação de continuar existindo.
A
questão da sexualidade, no asilo, nos mostra Joel Birman, vai lançar alguma luz
sobre a possibilidade de sonhar em um grupo.
No asilo existe uma ordenação, algum método concernente ao mito da cura. Algo dentro/fora do grupo, em torno de que o
sonho é tecido, viabilizado, algum gozo é distribuído em novas
hierarquias. Alguns “hábitos” e
“normas” a partir das interdições. O coito é proibido. Alguém imaginaria a grávida de um “louco”? E
se a grávida está sujeita a outros mitos? Vigia-se então o prazer. Este sim, louco. Não há hierarquia para valorar a prática
sexual, como queria Freud nos Três
Ensaios. No hospício a
homossexualidade, o onanismo etc..., podem ganhar estatura de genitalidade, na
medida da contradição entre a interdição pela “ordem” e a procura de quem quer
ser, desejar: (Desejo, logo existo, nos ensinou Lacan). Mas, isso é uma questão para o desejo, do
qual depois voltaremos a falar. Aqui, é
bom registrar: o prazer é louco; e o governo, a ordem, o poder lidam com a
loucura de hierarquizar prazeres.
O
existir para o indivíduo parte do “inexistir” no seu prazer. O prazer é um negócio a se fechar, perdido
nas “transações”. Daí não ser no exame
das relações de produção que se vai encontrar a origem dos nomes. O valor inicial, o nome inicial, “inexiste”
no prazer da transação.
Aí
existe uma negativa (uma “denegação”?) que é fonte. O recalque é um asilo como o asilo é um
exílio. Assim começa e termina Édipo...
O
desterro, fonte até o fim é o que permite sua volta. A Cegueira é que lhe possibilita ver como
Tirésias, após haver sabido de algo.
O
poder não se exerce, pois pela reprodução, pela cópia, mas em lugares de
“acordos” de “alianças” em que se passa, se redistribui prazeres. Há o “calor” da proximidade do poder, isso
sabe a secretária apaixonada. Há um
“frio” intenso na posição do “Vice”, do “Sub”, que trabalha “ao lado”, “braço
direito”. Uma e outro, dentro e fora do
poder: “pedaços”, “braços” que não fazem parte de corpo algum, como nos ensina
Claude Lefort.
Completamente
apaixonada, mãe, mulher e nada ao mesmo tempo, a Secretária, transformando as
necessidades do poder em gozo próprio, a produção em cerco, sem nunca atingir o
poder. Parte principal, “cabeça”, o
assessor, o que tem acesso ao segredo, a “técnica”, ao método, sente os
calafrios das possibilidades de “afastamento”.
Entre medo e a ambição está o poder, afirma Marilena Chauí.
Não
é esse o grupo onde “somos uma família” com o trágico que ela contém? Porque
quando o chefe diz “somos uma família”, ele diz que o somos em todas as horas,
embora nem sempre se dê conta... E existe a hora em que o adulto se torna
criança, re-nasce. Ou se torna pai de si
próprio, como o caso de Freud na autoanálise, em toda a sua obra. Como no caso de Marx ao inventar um sonho
novo para a História...
Inexistentes
no jogo, no prazer, no mito da pro-cura, estamos mimetizados no risco do
“plano”. Impossibilitados de ficar em
Tebas ou Corinto temos, então, como ser nomeados. Figuras da crônica, de Cronos... com nome,
passamos a estar em um centro... uma família, uma cidade (polis), um Estado...
SEGUNDO MOMENTO
Quanto ao Saber
Roland Barthes
se refere ao saber como algo que possa pela experiência. Saber tem a mesma raiz da palavra sabor, nos
lembra Barthes. Que gosto tem gosto do saber? Seria o gosto de querer
saber/ Pois onde há sabor há desejo. E o
desejo se refere a um sabor a encontrar... a partir de um outro, já experiência
do... É o que nos ensina a psicanálise.
O saber está, pois, inscrito na história de cada um, daí os problemas
para a sua transmissão.
Algum sabor
nos parece inacessível e seu acesso é mais ou menos confessado ou negado. Nem tudo se pode saber. “As crianças não podem saber o melhor”. As “crianças”, que tudo querem saber, dizem
saber tudo. E nesse jogo, nesse
brinquedo, chegam a estabelecer determinadas regras, certas hierarquias. Mas estas questões são políticas, e disso já
falamos... Ou essa brincadeira seria um jogo
em que não se colocam todas as cartas? Algumas são escondidas, outras
esquecidas ou “roubadas”? Afinal, algum mistério existe para que o jogo se
dê. E, então, queria me referir a pensar,
ou melhor, a desejar. E disso falaremos
adiante...
Existe então
um sabor a vir, esperado, pelo menos do qual se diz saber. O saber da “solução”. A palavra solução vem da alquimia, o que
implica em alguma magia. Uma “meta” no
final do caminho (odós), alguma
trapaça no jogo? Algum blefe? Estaria aí o blefe em que não só as crianças
caem? E enquanto dura a crença, dura o jogo; distribuem-se, hierarquizam-se
possibilidades, prazeres, portanto; vive-se de um método, uma teoria... por
algum tempo. A própria psicanálise não
hierarquizou?
O único saber,
o saber sobre a falta, é um saber impossível.
Impossível de se “compreender”, de se transmitir... Existiria um saber
sobre possibilidades? Sobre potência? Bem, sobre desejo falaremos depois, como
dissemos antes.
Como instituir
um saber sobre a falta? Não seria esse o único saber merecedor de
“instituição”? E sobre o que falta, a “previsão”, o plano que o poder diz
saber. Mas quem realmente sabe sobre a
falta? Sobre “o erro”, sobre “o defeito”, se pudesse expressar nessas palavras?
A partir de qual “normalização” poderia esse erro ser localizado? E apesar
disso a Medicina inventa remédios.
Apesar de a cura estar na procura, de o remédio estar no enfrentamento
da falta: “a gente não tem cura”, “a gente vai levando”. Nesse sentido, no limite, qualquer saber é
remédio. Algo que algum alívio causa, na
profundidade da ferida, da falta. É por
isso que às vezes nos “perdemos” na procura, dispersos. “Uma carga negativa” é inicialmente um sinal,
um sentimento, um “feeling” de que
algo falta, algum cheiro, confundido às vezes com um “cheirando mal”, e leva a
um percurso que tem um desenho “estranho” (em zigue-zague, como diz Freud?),
não familiar (Unheimlich).
Mas esta
“carga negativa” contém também alguma característica outra; a condição de
energia não seria adequada para representar.
“Carga negativa” porque relativa a uma falta, uma ausência carregada,
como em um luto, em uma dor; mas também com um compromisso, seja o de re-velar
algo que , por ser uma re-velação, fica constantemente sem sentido.
Por isso o
saber não sendo uma solução, uma Aufloesung
(magia química ou alquímica) não é uma iluminação, um esclarecimento, um Auf-Klärung; mas conta, apesar disso,
com alguma “matéria” com a qual “trabalha” (no sentido da física mesmo) e com
algum espaço para o qual sua “luz” é algo imprescindível, a fim de que uma
cena, um enredo, seja desempenhado (joué),
des-envolvido.
O louco, para
Lévi-Strauss, é aquele que encarna sínteses incompatíveis. É nesse corte onde se encarna a “doença”, da
qual qualquer saber é remédio. Qualquer
possibilidade, abandonada ou a ganhar, é menos insípida do que a falta de todo
e qualquer sabor. O saber encarnado na
loucura não permite uma hierarquização ou uma escolha externa àquele corte,
àquela ferida.
O mito do
simbólico, onde qualquer saber é remédio, é aquele lugar que ordena os
sentidos, que liga as partes a um todo, e que administra as”errâncias”, as
pulsões parciais, para as quais realmente qualquer sabor é remédio. O simbólico é o lugar no qual, a um só tempo,
o gosto de poder, de possibilidade, de potência, e o saber da “errância”,
ganham movimento, transação, e se transfiguram no desejo. Movimento mimético, camaleônico, “moderato”,
“andante” às vezes. Mas “presto” quando
da descoberta, da revelação. Como na
tourada, diz o estilista Yves Saint Laurent.
É o “caimento” do pano no corpo, é um movimento que diz, uma fração de
segundo, o “modelo” a ser desenhado. É
no salto jubiloso-mergulho/voo e tourada a um só tempo – do corpo para a falta
do corpo (Lefort) - , onde está o segredo do risco. Mas o mistério...
Na psicanálise,
depósito das fantasias de tudo saber, o analista representa a “possibilidade”
da “Síntese de tudo” na fantasmática do paciente, segundo Carlos Nicéas.
A
possibilidade de “síntese de tudo, encarnada também no ser chefe, transforma a
este no prato esperado de um banquete. Ser e ter o caminho, nos diz Freud. Édipo
desmemoriado (sem assessorias?) esqueceu-se do caminho. Aponta para si ao invés de dizer: O
Homem. “A um só tempo” toda a caminhada,
sendo-a, tendo-a. Era manhã e
noite. Rei de Tebas, fugindo de
Corinto... fugindo de Tebas...
De que lugar,
de que caminho, de que método fala o Saber?
TERCEIRO
MOMENTO
Quanto ao Desejo
O que já sabemos, o que os
mestres nos ensinam: existe um desejo, existiu um gosto, ao qual se quer
voltar, e, a partir daí, se passa a gostar.
Um sabor no qual sabíamos tudo (saber do centro?). Centro de exigências do saber (Na primeira minuta deste trabalho, por um
lapso, a datilógrafa escreveu: “antro de exigências do saber”. Não há o desejo de cópia porque temos a
referência do nosso).
Poder-se-á
querer repetir o chefe? O regulamento, o Rei? As pessoas enquanto confundidas
com o instituído são peças de almoxarifado (soldados do infindável “exército de
reserva?”) Administrar assim seria reduzir a vida do indivíduo à representação
(à lei), seria matá-lo, psicotizá-lo.
Quando se
deseja, então? Quando se descobre... o que se queria... por referência ao “não
era isso”. Não era isso – eu não estava
me masturbando, diz a criança para os pais,... para si... Eu não estava
procurando... (em zigue-zague?)
É “a
posteriori”, pois, que se percebe desejando.
Sabemos depois o que queríamos... e o que queremos vamos saber
depois. Como se nos “revelássemos” uma
negação (de-negação), uma falta e alguma presença no passado. Um “negativo” no qual se procura o que se
quer. Não é fotografia, não é um filme,
não é um vídeo, é o enredo, a “trama” daquilo a ser revelado. Aquilo para o que o “negativo” é o lugar, o
cenário no qual se procura o que se quer.
Tem mais a ver com uma trama, uma tragédia. Como no teatro grego, onde o povo era o coro.
O desejo é
pois o de dar um salto. “Há muitas
maneiras de dar um salto”, diz Camus no Sisyphe,
“o essencial sendo saltar”. Para
traz/para frente como o de Philipe, de Serge Leclaire. Jubiloso, lúdico, cheio de jogo (de ginga?),
de risco. Ideal, “plano”, saber singular
nosso, e “a ninguém concedería-nos direito a ele”, na descoberta corajosa de Nietzsche.
Para traz/para
frente, em zigue-zague, no interior/exterior.
Mito, negação contínua que se afirma no que se ganha. E não se ganha nada de concreto. “O amor do pai pela criança, tão comovedor é
o amor a si”, nos diz Freud no texto sobre o Narcisismo.
Mas o
Narcisismo, como o inconsciente, é uma construção, um mito constantemente
revistado: "vocês devem produzir o inconsciente; produzam-no, ou caso
contrário, permaneçam com os sintomas o ego, e o psicanalista de vocês”, diz
Deleuze.
Que construção
é essa, e que negativo é esse que exigem uma contínua revelação? Seria a
revelação de que nos fala a religião? O não que é sim, e outra vez não é...
visando o prazer, sem sentido, sem prêmios, sem ligações?
O risco do
salto não visa o sucesso. Não há
”Designer” que possa traçá-lo. “Não
quero sucesso”, nos diz Givenchy, outro mestre do estilo. Quero algo fora da cópia, da “moda”, do
igual. “Quero prestígio”, nos diz ele.
Aquele igual,
repetido no rosto do “sucesso”, do notório, do não velado. Reprodução de uma capa, de um rosto, folha de
rosto, papel. Lei como realidade. A “Notoriedade pela popularidade”. Está aí a receita de banalização, da
reprodução do vazio, não a da falta: esta é irreproduzível.
Desejar saber
sobre a falta. Busca que remete ao
destino de Édipo. Pés inchados,
viandante dos pés pesados. Filhos de
Édipo. Sujeitos de uma hermenêutica,
cuja única mensagem é a falta de asas, da leveza, cuja única saída é pois o
chiste, o jogo. Jogo constante (de
cintura), sentimento de prazer, risco sem esboço, sem documento prévio, sem
aval. Tudo no “veremos depois”, “a
posteriori”. Única legitimação (lei
íntima), única referência além de alguma dor nostálgica.
Seria este o
desejo no jogo do poder? “Joga-se com o poder”.
Com o sabor/saber, que só é saber na medida do abandono, como um “não
era bem isso”.
Que desejo é
esse, o de saber? Olha o risco e “não tem vergonha, não tem “juiz-o”, portanto,
não tem desmentido, não tem “exercício”, espaço que “não tem governo”. Des-governo? Não se refere a si mesmo
continuamente? Salto jubiloso na falta, no lado da origem, do umbigo, pés
inchados. Mas, pro-cura de asas, de voo para uma hermenêutica com mensagens,
embora ligadas, presas a “papéis”. Há um
desempenho, uma maiêutica em que, a partir de “errâncias” (Abirrugen), des-emboca em um caminho.
Desejo de
saber sobre o poder. Plano de descoberta
do caminho para Sisyphe. Inclinação
(Kliné-leito) para um corpo que se procura? Anatomia de uma caminhada, mais que
um corpo teórico, que uma escopofilia metódica.
Risco de ser nomeado. “Se tivesse
sabido não teria vindo”, diz alguém em um grupo de Max Pagés.
Haveria outra
chance para se receber um nome? Não um nome de família. Édipo, enquanto somente família, era aquele
que nas “errâncias” perdeu o sentido de “família”, e que, com os pés presos,
inchados, o assumiu demais. Não é a
nomeação do Estado. Porque não se quer
nem Tebas, nem Corinto, e, ao mesmo tempo, se está, definitivamente, ligado às
duas.
Sem tempo
algum para tanto sonho, temos diante de nós “o tempo que tudo vê”. E num salto cheio de júbilo, voo que é
mergulho, arriscamos um sabor para a falta.
Arriscando-nos a sermos descobertos em algum segredo,
re-velamo-nos. E recebemos um
“Nome”. Temos um lugar, um posto, no
mesmo instante em que passa por nós um sentimento de um sabor e de que temos
uma caminhada pela frente.
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