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quinta-feira, 20 de março de 2014

CURIOSIDADE ACERCA DO PODER

CURIOSIDADE ACERCA DO PODER

Jorge  de Campos Valadares


PARA

Nathanael,  Célio e Chebabi


PARA

Sávio,  Lenita e Hortensia


No saber deve-se procurar
o que se ganha e o que se perde...
de acordo com uma estratégia (método)
Chaim Katz


PRIMEIRO MOMENTO

Quanto ao Poder

                Localizar o exercício do poder. Tarefa inglória, danada, em que, hoje, estão tantos envolvidos.  Como muitos que lidaram e ainda lidam com o desejo e com a transmissão, ou seja, com o saber.  Profissões impossíveis as de educar, analisar, governar, nos diz Freud.

                Não há localização para o poder, nos diz Foucault.  Está em toda parte, é inútil querermos apontá-lo, subordiná-lo, apropriarmo-nos dele.  Não é algo concreto “que uma classe detém”.  A origem das alianças não está no interior das estruturas políticas ou mesmo nas negociações.  E, mesmo assim, é preciso alguém para “fechar negócios”...

                Tema atuais, aqueles relativos ao “indivíduo” e ao “grupo” ou às “massas”, ou os temas da multiplicidade e da singularidade.  Esclarecem ao mesmo tempo que lançam sombras sobre as origens e os lugares frequentados pelo poder.  Onde nascem e quais circunstâncias da vida do Nomeado?

                É  lógico que não estamos falando na publicação do Diário Oficial.  Essa publicação não denotaria antes a nomeação de quem “nomeou”? O nome dado àquele que nasce vem de uma situação de impossibilidade, nos ensina Célio Garcia.  Édipo era o que tinha pés inchados...

                Que singularidade tem este “Outro” (o Nomeado), eleito não pelas particularidades do grupo, em um processo em que a unidade desse grupo é confundida com a “coesão” das massas.  Que identidade teria este “Outro”, desde que ninguém, para ser si mesmo, pode ser idêntico a alguém? E como em “crescimento”, nem o “si mesmo” é alguém sempre idêntico, no tempo...?

                E, ainda assim, procuramos alguém para nos identificarmos... em uma perspectiva de nos separarmos dele.  O tema do duplo, da intrusão, na psicanálise, só pode ser visto assim.  “Estamos no grupo de costas para a imensidão”.  Todos sabem disso.  “E a qualquer momento podemos voltar”.  Estamos, no grupo, fascinados...

                O “Outro”, para que assim o seja, exerce sobre nós esse fascínio.  É inútil olhar para o espelho, no diz Serge Leclaire, mas olhe mesmo assim... Falar sobre o “Outro” nos fascina.  Estão aí as pesquisas sobre o poder...

                É incrível como um “coordenador de dinâmica de grupo” joga um papel em branco no centro de um grupo.  Com que certeza e com que dúvidas de que alguma descrição vai ser inventada, ele age! Nesse é um ato político? Algum sentido aí vai ser criado! Esse é um ato analítico? Algo se transmite! Educa-se? Tudo o que sabemos é que ali se passa algo de jogo.  O “líder” brinca com o poder.  É ainda Foucault quem nos ensina: “o poder não se detém, joga-se com ele, arrisca-se com o poder”.  É disso que vive o político.  “Quem vai na frente bebe água limpa” com os riscos dos espinhos do cerrado, ao abrir caminhos...

                Ninguém entra em um grupo se não está aberto a esse jogo.  Aqueles que, “donos da verdade” (do simbólico? No imaginário?), querem chegar às provas dos fatos serão antes “provados” como analisadores, ou bois de piranha, como nos ensinou a análise das instituições.  Pois nos fascina o “Outro” como nos fascina a imensidão.  E “Outro” e imensidão não são a mesma coisa, como querem as seitas.  “Somente nós detemos a verdade”... e “fora de nós não há salvação”...

                Está aí ao que fica reduzida a Verdade da “Revelação”.

              Velada de novo, a revelação é o mistério.  Apropriado, o mistério torna-se um segredo.  O mistério de Cristo seria Segredo da Igreja, o mistério do Édipo seria o segredo da Instituição Psicanalítica.  E há muita coisa em comum entre os dois mistérios.  Não devemos confundir mistério e segredo, diz Edson Lannes.

                O papel em branco é um Segredo, o falo, “o buraco em que cabe tudo”, como nos diz Chaim Katz.  Menos na medida em que “religa” do que na medida em que “compreende” a seita detém o segredo, abrange o que está fora, o que falta.  Dentro e fora é um mito inicial para a construção do pensamento, ensina-nos Jean Hippolyte, a partir do texto freudiano de denegação.

                É este o trunfo de todos os membros do grupo.  A respeito das verdades, disto todos sabem “intelectualmente” ou, pelo menos, podem chegar a sabê-lo, um dia, para que se possam dizer pertencendo ao grupo.  Mais soubéssemos sobre o mito externo/interno, mais saberíamos sobre o poder.  Por enquanto sabemos, com a psicanálise, que, no início, “sempre existe”, e, a partir daí, vai-se, então, procurar o que existe.

                “Bebe primeiro a água limpa”.  “Veste a Camisa”.  É e tem o caminho, eis o segredo do chefe.  Enquanto é e tem esse caminho, possibilita, como lugar mimético, algum disfarce da “identificação”.  Por mais apaixonado que esteja, o membro do grupo “sabe” que não é o chefe.  Aí está o desamparo de que nos fala Freud, no Mal Estar, ao qual estamos sujeitos quando estamos apaixonados.

                Enquanto tem a “camisa”, o caminho, o “odos”, o “metaodos”, a fórmula ou o sonho a ser encenado, o chefe, mais destituído de sua força imaginária, possibilita a consciência do jogo.  “Caminante non hay camino”, (Não há água limpa),  diz o poeta, diz o chefe.  Deve-se andar.  Agir.  “Se hace el camino al andar”.  “Não existe o fato, e sim versões do fato”, diz o político mineiro, enquanto estudamos a teoria das representações...

                 O método é um plano e, como sabem os planejadores, um “partido”.  O arquiteto, a partir do terreno, escolhe uma solução, à qual chama partido.  O plano é uma alternativa, um esboço, uma tentativa, um risco da política.  Os arquitetos eram chamados, antigamente, “mestres do risco”.

                Um grupo de direção, em sessão de análise institucional, se representou como a “loura de escafandro”: uma figura da crônica jornalística da época.  Sem se saber de onde vinha epara onde ia, a moça chegava em um bar vestida com escafandro e biquíni, pedia um chopp, bebia e saía, sempre sem ser importunada.  Sem rosto, sem “identidade”, esse era o risco no qual o grupo se colocava.  Que mitos e que ritos preparam os grupos para a sua existência e para a existência de seus membros? Que “meta-odos” e que ações? Algumas “normas”, alguns “hábitos” serão básicos, nos diz Foucault.

                Os mitos se fundam nas culturas.  Não há nenhuma persona, nenhuma máscara, nenhum papel para aquele que está fora de todas as culturas.  Este não possui um traço a partir do qual possa inscrever e descrever seu charme, seu charme, seu encanto, seu sonho.  Nem mesmo mimetizar algum sonho, algum encontro, algum charme em voga.  Afirmando que não pode fazer nada com um rosto que não tenha algo “de dentro”, o maquiador Michelli se equivoca, por outro lado, ao dizer que o “make up” “máscara só para o Teatro”.  Não é o que dizem os grandes atores: Paulo Autran no “Canal Livre” chamava a atenção para o fato de que se sai de casa carrancudo, depois de algum dissabor e, logo na rua, encontra-se um amigo a quem se abraça efusivamente, faz-se alegre...

                Mesmo a moda na “camisa” do grupo implica em algo mais que a cópia.  Imitar não é copiar, fala Canguilhem, a propósito do mimetismo.  A imitação implica algum movimento.

                “Façam tudo que o chefe ordenar”, cochicham os líderes de oposição, fugindo ao adesismo.  Repetir é não participar.  Daí a dúvida de saber quem fecha as instituições.  Os líderes ou os grupos?

                O mito é, então, um lugar de aliança.  Estou neste ou noutro lugar? Nesta ou naquela “representação”, encenação, ou naquele enredo escolhido para o mito? E estou de costas para os outros, “para a imensidão”, enquanto alguma satisfação me possibilite, sendo, às vezes, esta, a satisfação de continuar existindo.

                A questão da sexualidade, no asilo, nos mostra Joel Birman, vai lançar alguma luz sobre a possibilidade de sonhar em um grupo.  No asilo existe uma ordenação, algum método concernente ao mito da cura.  Algo dentro/fora do grupo, em torno de que o sonho é tecido, viabilizado, algum gozo é distribuído em novas hierarquias.  Alguns “hábitos” e “normas”  a partir das interdições.  O coito é proibido.  Alguém imaginaria a grávida de um “louco”? E se a grávida está sujeita a outros mitos? Vigia-se então o prazer.  Este sim, louco.  Não há hierarquia para valorar a prática sexual, como queria Freud nos Três Ensaios.  No hospício a homossexualidade, o onanismo etc..., podem ganhar estatura de genitalidade, na medida da contradição entre a interdição pela “ordem” e a procura de quem quer ser, desejar: (Desejo, logo existo, nos ensinou Lacan).  Mas, isso é uma questão para o desejo, do qual depois voltaremos a falar.  Aqui, é bom registrar: o prazer é louco; e o governo, a ordem, o poder lidam com a loucura de hierarquizar prazeres.

                O existir para o indivíduo parte do “inexistir” no seu prazer.  O prazer é um negócio a se fechar, perdido nas “transações”.  Daí não ser no exame das relações de produção que se vai encontrar a origem dos nomes.  O valor inicial, o nome inicial, “inexiste” no prazer da transação.

                Aí existe uma negativa (uma “denegação”?) que é fonte.  O recalque é um asilo como o asilo é um exílio.  Assim começa e termina Édipo...

                O desterro, fonte até o fim é o que permite sua volta.  A Cegueira é que lhe possibilita ver como Tirésias, após haver sabido de algo.

                O poder não se exerce, pois pela reprodução, pela cópia, mas em lugares de “acordos” de “alianças” em que se passa, se redistribui prazeres.  Há o “calor” da proximidade do poder, isso sabe a secretária apaixonada.  Há um “frio” intenso na posição do “Vice”, do “Sub”, que trabalha “ao lado”, “braço direito”.  Uma e outro, dentro e fora do poder: “pedaços”, “braços” que não fazem parte de corpo algum, como nos ensina Claude Lefort.

                Completamente apaixonada, mãe, mulher e nada ao mesmo tempo, a Secretária, transformando as necessidades do poder em gozo próprio, a produção em cerco, sem nunca atingir o poder.  Parte principal, “cabeça”, o assessor, o que tem acesso ao segredo, a “técnica”, ao método, sente os calafrios das possibilidades de “afastamento”.  Entre medo e a ambição está o poder, afirma Marilena Chauí.

                Não é esse o grupo onde “somos uma família” com o trágico que ela contém? Porque quando o chefe diz “somos uma família”, ele diz que o somos em todas as horas, embora nem sempre se dê conta... E existe a hora em que o adulto se torna criança, re-nasce.  Ou se torna pai de si próprio, como o caso de Freud na autoanálise, em toda a sua obra.  Como no caso de Marx ao inventar um sonho novo para a História...

                Inexistentes no jogo, no prazer, no mito da pro-cura, estamos mimetizados no risco do “plano”.  Impossibilitados de ficar em Tebas ou Corinto temos, então, como ser nomeados.  Figuras da crônica, de Cronos... com nome, passamos a estar em um centro... uma família, uma cidade (polis), um Estado...   




SEGUNDO MOMENTO




Quanto ao Saber   


Roland Barthes se refere ao saber como algo que possa pela experiência.  Saber tem a mesma raiz da palavra sabor, nos lembra Barthes.  Que gosto tem  gosto do saber? Seria o gosto de querer saber/ Pois onde há sabor há desejo.  E o desejo se refere a um sabor a encontrar... a partir de um outro, já experiência do... É o que nos ensina a psicanálise.  O saber está, pois, inscrito na história de cada um, daí os problemas para a sua transmissão.

Algum sabor nos parece inacessível e seu acesso é mais ou menos confessado ou negado.  Nem tudo se pode saber.  “As crianças não podem saber o melhor”.  As “crianças”, que tudo querem saber, dizem saber tudo.  E nesse jogo, nesse brinquedo, chegam a estabelecer determinadas regras, certas hierarquias.  Mas estas questões são políticas, e disso já falamos... Ou essa brincadeira seria um jogo  em que não se colocam todas as cartas? Algumas são escondidas, outras esquecidas ou “roubadas”? Afinal, algum mistério existe para que o jogo se dê.  E, então, queria me referir a pensar, ou melhor, a desejar.  E disso falaremos adiante...

Existe então um sabor a vir, esperado, pelo menos do qual se diz saber.  O saber da “solução”.  A palavra solução vem da alquimia, o que implica em alguma magia.   Uma “meta” no final do caminho (odós), alguma trapaça no jogo? Algum blefe? Estaria aí o blefe em que não só as crianças caem? E enquanto dura a crença, dura o jogo; distribuem-se, hierarquizam-se possibilidades, prazeres, portanto; vive-se de um método, uma teoria... por algum tempo.  A própria psicanálise não hierarquizou?

O único saber, o saber sobre a falta, é um saber impossível.  Impossível de se “compreender”, de se transmitir... Existiria um saber sobre possibilidades? Sobre potência? Bem, sobre desejo falaremos depois, como dissemos antes.

Como instituir um saber sobre a falta? Não seria esse o único saber merecedor de “instituição”? E sobre o que falta, a “previsão”, o plano que o poder diz saber.  Mas quem realmente sabe sobre a falta? Sobre “o erro”, sobre “o defeito”, se pudesse expressar nessas palavras? A partir de qual “normalização” poderia esse erro ser localizado? E apesar disso a Medicina inventa remédios.  Apesar de a cura estar na procura, de o remédio estar no enfrentamento da falta: “a gente não tem cura”, “a gente vai levando”.  Nesse sentido, no limite, qualquer saber é remédio.  Algo que algum alívio causa, na profundidade da ferida, da falta.  É por isso que às vezes nos “perdemos” na procura, dispersos.  “Uma carga negativa” é inicialmente um sinal, um sentimento, um “feeling” de que algo falta, algum cheiro, confundido às vezes com um “cheirando mal”, e leva a um percurso que tem um desenho “estranho” (em zigue-zague, como diz Freud?), não familiar (Unheimlich).    

Mas esta “carga negativa” contém também alguma característica outra; a condição de energia não seria adequada para representar.  “Carga negativa” porque relativa a uma falta, uma ausência carregada, como em um luto, em uma dor; mas também com um compromisso, seja o de re-velar algo que , por ser uma re-velação, fica constantemente sem sentido.

Por isso o saber não sendo uma solução, uma Aufloesung (magia química ou alquímica) não é uma iluminação, um esclarecimento, um Auf-Klärung; mas conta, apesar disso, com alguma “matéria” com a qual “trabalha” (no sentido da física mesmo) e com algum espaço para o qual sua “luz” é algo imprescindível, a fim de que uma cena, um enredo, seja desempenhado (joué), des-envolvido.  

O louco, para Lévi-Strauss, é aquele que encarna sínteses incompatíveis.  É nesse corte onde se encarna a “doença”, da qual qualquer saber é remédio.  Qualquer possibilidade, abandonada ou a ganhar, é menos insípida do que a falta de todo e qualquer sabor.  O saber encarnado na loucura não permite uma hierarquização ou uma escolha externa àquele corte, àquela ferida.

O mito do simbólico, onde qualquer saber é remédio, é aquele lugar que ordena os sentidos, que liga as partes a um todo, e que administra as”errâncias”, as pulsões parciais, para as quais realmente qualquer sabor é remédio.  O simbólico é o lugar no qual, a um só tempo, o gosto de poder, de possibilidade, de potência, e o saber da “errância”, ganham movimento, transação, e se transfiguram no desejo.  Movimento mimético, camaleônico, “moderato”, “andante” às vezes.  Mas “presto” quando da descoberta, da revelação.  Como na tourada, diz o estilista Yves Saint Laurent.  É o “caimento” do pano no corpo, é um movimento que diz, uma fração de segundo, o “modelo” a ser desenhado.  É no salto jubiloso-mergulho/voo e tourada a um só tempo – do corpo para a falta do corpo (Lefort) - , onde está o segredo do risco.  Mas o mistério...

Na psicanálise, depósito das fantasias de tudo saber, o analista representa a “possibilidade” da “Síntese de tudo” na fantasmática do paciente, segundo Carlos Nicéas.

A possibilidade de “síntese de tudo, encarnada também no ser chefe, transforma a este no prato esperado de um banquete. Ser e ter o caminho, nos diz Freud.   Édipo desmemoriado (sem assessorias?) esqueceu-se do caminho.  Aponta para si ao invés de dizer: O Homem.  “A um só tempo” toda a caminhada, sendo-a, tendo-a.  Era manhã e noite.  Rei de Tebas, fugindo de Corinto... fugindo de Tebas...
De que lugar, de que caminho, de que método fala o Saber?






TERCEIRO MOMENTO

 

 

Quanto ao Desejo



                O que já sabemos, o que os mestres nos ensinam: existe um desejo, existiu um gosto, ao qual se quer voltar, e, a partir daí, se passa a gostar.  Um sabor no qual sabíamos tudo (saber do centro?).  Centro de exigências do saber  (Na primeira minuta deste trabalho, por um lapso, a datilógrafa escreveu: “antro de exigências do saber”.  Não há o desejo de cópia porque temos a referência do nosso).
Poder-se-á querer repetir o chefe? O regulamento, o Rei? As pessoas enquanto confundidas com o instituído são peças de almoxarifado (soldados do infindável “exército de reserva?”) Administrar assim seria reduzir a vida do indivíduo à representação (à lei), seria matá-lo, psicotizá-lo.

Quando se deseja, então? Quando se descobre... o que se queria... por referência ao “não era isso”.  Não era isso – eu não estava me masturbando, diz a criança para os pais,... para si... Eu não estava procurando... (em zigue-zague?)

É “a posteriori”, pois, que se percebe desejando.  Sabemos depois o que queríamos... e o que queremos vamos saber depois.  Como se nos “revelássemos” uma negação (de-negação), uma falta e alguma presença no passado.  Um “negativo” no qual se procura o que se quer.  Não é fotografia, não é um filme, não é um vídeo, é o enredo, a “trama” daquilo a ser revelado.  Aquilo para o que o “negativo” é o lugar, o cenário no qual se procura o que se quer.  Tem mais a ver com uma trama, uma tragédia.  Como no teatro grego, onde o povo era o coro.

O desejo é pois o de dar um salto.  “Há muitas maneiras de dar um salto”, diz Camus no Sisyphe, “o essencial sendo saltar”.  Para traz/para frente como o de Philipe, de Serge Leclaire.  Jubiloso, lúdico, cheio de jogo (de ginga?), de risco.  Ideal, “plano”, saber singular nosso, e “a ninguém concedería-nos direito a ele”, na descoberta corajosa de Nietzsche.

Para traz/para frente, em zigue-zague, no interior/exterior.  Mito, negação contínua que se afirma no que se ganha.  E não se ganha nada de concreto.  “O amor do pai pela criança, tão comovedor é o amor a si”, nos diz Freud no texto sobre o Narcisismo.

Mas o Narcisismo, como o inconsciente, é uma construção, um mito constantemente revistado: "vocês devem produzir o inconsciente; produzam-no, ou caso contrário, permaneçam com os sintomas o ego, e o psicanalista de vocês”, diz Deleuze.

Que construção é essa, e que negativo é esse que exigem uma contínua revelação? Seria a revelação de que nos fala a religião? O não que é sim, e outra vez não é... visando o prazer, sem sentido, sem prêmios, sem ligações?

O risco do salto não visa o sucesso.  Não há ”Designer” que possa traçá-lo.  “Não quero sucesso”, nos diz Givenchy, outro mestre do estilo.  Quero algo fora da cópia, da “moda”, do igual.  “Quero prestígio”, nos diz ele.

Aquele igual, repetido no rosto do “sucesso”, do notório, do não velado.  Reprodução de uma capa, de um rosto, folha de rosto, papel.  Lei como realidade.  A “Notoriedade pela popularidade”.  Está aí a receita de banalização, da reprodução do vazio, não a da falta: esta é irreproduzível.

Desejar saber sobre a falta.  Busca que remete ao destino de Édipo.  Pés inchados, viandante dos pés pesados.  Filhos de Édipo.  Sujeitos de uma hermenêutica, cuja única mensagem é a falta de asas, da leveza, cuja única saída é pois o chiste, o jogo.  Jogo constante (de cintura), sentimento de prazer, risco sem esboço, sem documento prévio, sem aval.  Tudo no “veremos depois”, “a posteriori”.  Única legitimação (lei íntima), única referência além de alguma dor nostálgica.

Seria este o desejo no jogo do poder? “Joga-se com o poder”.  Com o sabor/saber, que só é saber na medida do abandono, como um “não era bem isso”.

Que desejo é esse, o de saber? Olha o risco e “não tem vergonha, não tem “juiz-o”, portanto, não tem desmentido, não tem “exercício”, espaço que “não tem governo”.  Des-governo? Não se refere a si mesmo continuamente? Salto jubiloso na falta, no lado da origem, do umbigo, pés inchados.  Mas, pro-cura de asas,  de voo para uma hermenêutica com mensagens, embora ligadas, presas a “papéis”.  Há um desempenho, uma maiêutica em que, a partir de “errâncias” (Abirrugen), des-emboca em um caminho.  

Desejo de saber sobre o poder.  Plano de descoberta do caminho para Sisyphe.  Inclinação (Kliné-leito) para um corpo que se procura? Anatomia de uma caminhada, mais que um corpo teórico, que uma escopofilia metódica.  Risco de ser nomeado.  “Se tivesse sabido não teria vindo”, diz alguém em um grupo de Max Pagés.

Haveria outra chance para se receber um nome? Não um nome de família.  Édipo, enquanto somente família, era aquele que nas “errâncias” perdeu o sentido de “família”, e que, com os pés presos, inchados, o assumiu demais.  Não é a nomeação do Estado.  Porque não se quer nem Tebas, nem Corinto, e, ao mesmo tempo, se está, definitivamente, ligado às duas.

Sem tempo algum para tanto sonho, temos diante de nós “o tempo que tudo vê”.  E num salto cheio de júbilo, voo que é mergulho, arriscamos um sabor para a falta.  Arriscando-nos a sermos descobertos em algum segredo, re-velamo-nos.  E recebemos um “Nome”.  Temos um lugar, um posto, no mesmo instante em que passa por nós um sentimento de um sabor e de que temos uma caminhada pela frente.










BIBLIOGRAFIA

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