A DIVERSIDADE DAS SOCIEDADES E DOS SERES VIVOS, E O COMPORTAMENTO HUMANO
Jorge de Campos Valadares1
Colaboradores: Arthur Soffiati, Carmen da Poian, Célio Garcia, Elida
Séguim, Frederico Peres, Heberto Lira Ferreira da Silva, Isidoro E. A. do
Brasil, Ivonette Almeida, Jorge Ossanai,
José Carlos Guedes, Lena Bergstein, Lúcia Osório, Marcos Fernandes da Silva
Moreira, Marilene de Castilho Sá, Maria José Salles, Mônica de Azevedo Meyer,
Odir Clécio da Cruz Roque, Renato Caporati, Ricardo Silveira, Sílvia Barbosa de
Carvalho, Teresa Cristina Coury Amin, Wilson Benes de Oliveira Cardoso.
“O
ocidente desencantou o mundo.”
(Max Weber)
I – INTRODUÇÃO
De
início, o grupo discutiu o destacamento do homem com relação à natureza. E esta separação conferiu ao homem uma
distância e um olhar. Mas, ao mesmo
tempo, também lhe deu uma centralidade que lhe tem sido, pelo menos às vezes,
nefasta.
Vemo-nos,
assim, diante de uma primeira pergunta.
Como pode o homem se autorizar tal inverdade: dizer-se ausente de um
território do qual nunca saiu? A que lucros visa, e a que prejuízos decide
expor-se? Para poder olhar a natureza, ele deixa de notar que ela percorre o
próprio corpo, abandona uma vitalidade.
Mas se a posição certa arrebitou o nariz humano, não o livrou de um
saber/sabor de que nasce entre fezes e
urinas. O trabalho do conhecimento é
um trabalho de co-nascimento. A cada passo o homem se faz, e faz um mundo
semelhante às limitações ou às grandezas de suas utopias.
A
questão é de natureza ética. Toda ética
está ligada a um fazer. O que se pode
fazer com uma discussão, um pensamento? Que ações desencadeia? Que lucros
teremos com os pensamentos e as ações que se lhes seguem, quando tantos seres
são excluídos do conhecimento/co-nascimento? Sabemos que a evolução da ciência
não está permitindo a inclusão e, ao contrário, produz cada vez mais
distâncias. E que o aprofundamento nos
saberes fragmentários tem levado a afastamentos, isolamentos.
___________________________
1
Pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública/FIOCRUZ
A
diversidade das sociedades e dos seres vivos é essencial à saúde do mundo, e
depende inteiramente do trabalho do homem.
Assim, há riscos e responsabilidades.
Faz-se necessária uma ética da responsabilidade, pois a diversidade dos
seres vivos é essencial à vida na terra.
Mas como assumir o respeito pela vida?
O saber e a técnica, essenciais ao fazer e ao fazer-se do homem, já
implicam em domínio, em
poder. O arranjo, o
manejo do território dividiu o espaço da cidade, das cidadanias, desde as
cavernas e as raízes do sistema aldeão-palacial, em espaços do castelo, da
catedral, e de outras moradas, e instituiu práticas, hábitos, costumes. Como decidir sobre as desigualdades injustas?
A igualdade, a equidade e, portanto, o combate ao diverso pode instalar-se de
maneira ética: quando e em que não se deve tocar? Mutilações teriam sido
justificadas em certas culturas, até nossos dias, mas hoje não cabem mais. Assim se dá na causa feminina, na causa
indígena e em outras causas.
A
cidade não é lugar de pirâmides, de túmulos.
A cidade é um espaço de vida, de co-habitação da paz. E “não
procuramos a paz de cemitérios e dos silêncios aterrorizados”, de poderes
paralisadores, de burocracias estagnadas, mas a “paz de avanços” (Aguiar,
1993), de voos e de liberdade. A praça,
a casa, a fábrica, são locais de convívio e de vida e a organização das
construções deve obedecer a esse princípio.
A verdadeira cidade é lugar de devires, a
diversidade dos seres vivos é um território de insurreições que se constrói
através de caminhos e movimentos variados, entre chances e perigos, pois, para
o homem, “somente há salvação onde há
risco” (Heidegger, 1990).
A salvação implica, assim, em uma
religião, uma religiosidade; exige mais do que uma representação, uma percepção
contínua; exige o reencantamento do mundo.
Mas como encontrar esse lugar se o conflito, nunca negado, é a fonte da
criação e da vida? Se a diversidade é da ordem do cotidiano e, ao mesmo tempo,
nos exige uma entrega? A ciência saiu do lugar de salvação para o caos da
poluição e do esgotamento dos recursos da natureza, a que ela própria nos tem
levado. O documento preparatório da
Eco/92 (Harlem et. al., 1988) já nos afirmava isso. Uma distância capaz de, paradoxalmente,
providenciar um reencontro, não se dará através de uma razão que insista em
dominar, seja a natureza, seja os homens.
A invenção de novos espaços-tempo dependerá mais da con-sideração das contradições do que das linhas de fuga.
Cada
vez mais, tecnologias prometem solucionar nossos problemas com o tempo, mas, ao
contrário, desgastam energias e nos exigem mais tempo e mais criatividade para
exercermos nossa condição de sujeitos.
Precisamos de novas formas de energias e, no entanto, surgem novos
espaços de vazio. Espaços de angústias
difusas, de depressão, de fome de alimentos e de afetos, espaços de sentimentos
de fracasso, de dissociação ante um mundo invasivo, traumático, concreto, onde
os ideais e as utopias nos escapam por entre os dedos. A ausência de ideais e utopias iguala os
sujeitos que têm fome de subjetividade, e que é a mesma fome de cultura. A subjetividade é assim porque a cultura é
assim. O equívoco de hoje é o pensar
apenas um tipo de ação. Fomos
transformados, sem perceber, em repetidores. O
sistema motor é capturado para ter ações repetitivas, antes mesmo de, ao
conter-se, fazer o movimento inicial de qualquer pensamento. Assim, fica impossível o aparecimento de
desejo. Há, apenas,
pensamentos-descargas, vinganças que, sem a instância terceira da justiça, tomam
mesmo as lideranças, e são pura ação motora, são atos brutais, são violências,
não passam pela elaboração da cultura.
Existe pois um vazio, na arte, na arquitetura, na ciência, daquilo que
permitiria o convívio e a continuidade.
Um vazio na economia, a espalhar-se pelas diferentes geografias, a se
agravar, a se arrastar pela História. Este
vazio parece vir de uma negação dos limites do corpo do homem, somente encontrado
no corpo do mundo. Há, pois, necessidade
de retomada de tensões a serem transformadas em novas intenções. Uma paz dos
avanços deve surgir.
O
caminho das novas invenções vem, paradoxalmente territórios insurrectos, religados
aos demais pela intuição e pela criatividade, por um trabalho de Eros, de amor
– no campo do sujeito a libido – que dispensa o corrimento do sangue. Um trabalho baseado em direitos humanos, em
democracia e no reerguimento de ideais encarnados em lideranças dignas. O trabalho com a diversidade da vida é um
trabalho do homem, e deverá contar com a intuição e a razão.
A
religiosidade a que nos referimos é a da responsabilidade e do respeito. É, na expressão de Guimarães Rosa, uma
possibilidade de “avistar o grito das
araras”. De rejuntamentos, de
religações, no corpo, somente possíveis se o corpo for percebido e reinventado
juntamente com a reinvenção do mundo.
Uma nova perspectiva surgirá se pudermos ouvir os clamores do
mundo.
Isso
envolve um novo trato com o tempo. Sem
tempo para co-mover-se, para
encantar-se, o homem somente preparará encomendas à natureza, que o formaliza no mesmo momento em que o
“formoliza”. E as novas distâncias
possibilitarão o reencantamento do mundo, promoverão um sem número de lugares
onde a natureza externa será a nova cidade, a praça dos novos encontros e
desencontros, da co-habitação e da
diversidade. A percepção é sinestésica e
produz a religação de caminhos.
A
transdisciplinariedade depende de uma transformação dos sujeitos e está
condicionada por uma paixão de ser outro.
I – ACESSO AO CALEIDOSCÓPIO.
A
melhor posição para abordarmos a realidade é a de nos deixarmos tocar pelo
mundo antes mesmo de tentar entendê-lo.
Por mais que estejamos condicionados a modelos de entendimento, nesses
modelos estão os germes da re-evolução,
pois os modelos também são disruptivos.
Na abertura a devires surgirá o
novo. A ética da vida atual nos exige um
interesse por ciência, filosofia, arte e religião, quando esses saberes se
mostram capazes de se transformarem em algo que terá valor, em parte de um
imenso caleidoscópio, em origens de ações.
Não se compreenderia, hoje, o que se convencionou chamar de platonismo,
seja na esfera do filosófico e muito menos do político.
A
origem já implica em razões. É informe e
vazia, mas o vazio não é o nada, é o início.
A origem é fundamental como forma de se reescrever o velho em novos
espaços. O pensamento vem no rastro do
fazer.
O
trabalho essencial com a memória e o arquivo, para que se possa andar para a
frente, implica em um reexame continuado dos convívios. A memória e o convívio são as características
centrais do ser humano e não existe um sem o outro. As presenças somente nos prestam serviço na
medida em que procuram organizar novas vias para o passado. Para as presenças trazerem as representações
do passado é necessário um espanto, uma perplexidade ante costumes encarquilhados,
ante os novos aparecimentos, aparências e novos florescimentos de
profundidades. Os pré-conceitos impedem esse ressurgimento.
A
arte, como um deserto sem caminhos, no qual o homem vai atrás de alguma coisa boa
e bela, é elemento de religação. Não se
trata de criar um isolamento de saberes sobre a política, sobre a religião, o
estado, o governo, a ciência, a arte, mas de encontrar a forma para o sujeito
inventar e inventar-se, valendo-se desses instrumentos, como nos ensinou Freud
(1930).
A
turbina acionada na origem do capitalismo moderno ainda não parou de devorar
todo o ar que encontra pela frente. No
avião a turbina come o ar e é isso que o faz disparar. Esta lógica da turbina moderna é incompatível
com a lógica do vivente. A lógica
econômica, com seu ímpeto transformador e homogeneizador é incompatível com a
diversidade, não só a dos seres vivos como também a geológica, pois os ritmos
de consumo da natureza mineral não devem ser desprezados. A água, o ar, os combustíveis minerais e
outros recursos naturais estão sendo exauridos.
As árvores da Amazônia precisam ser defendidas. A reserva amazônica tem que ser mantida.
Sem
utopias ativas é impossível um caminhar.
O ideal, elemento constitutivo da vida anímica de cada um de nós, como o
descobriu Freud (1914), deve encarnar-se em lideranças responsáveis. Acaso existiria a América sem Bolívar e San
Martin (Samaja, 1997)? O cristianismo possibilitou um avanço nas representações
do mundo ocidental pois exigiu que Deus se encarnasse (Argan, 1999). O mundialismo se dá à custa de dominações, de
apropriações e de encarnações indevidas de ideais. O mundialismo é uma faca de dois gumes pois
permite a divulgação e a luta por causas justas e também promove domínios,
dependências e paralisias.
O
corpo do homem, mergulhado na vida, é limite extremo, é borda. Há o indizível, o que é maldito, mal
pronunciado e pode provocar maldições.
Este indizível se inicia no vazio, se inicia no corpo e em suas
inquietudes, no demasiadamente humano. É o mundo interno, o imundo, cujo remoer permite criações reais, densas, pois “nada mais
profundo que a pele”. Há uma descontinuidade entre corpo humano e ambiente,
mesmo na sua mais intensa diversidade, pois o corpo é continuamente
re-inventado na cultura e na construção do desejo. Mas há uma continuidade porque o corpo é
água, é cadeia de moléculas, vive de alimentos, e o ar lhe corre, como
essência, nas artérias. O corpo do homem
é o palco inicial de onde falamos sobre diversidade de seres vivos e
inanimados. A educação do corpo humano
tem que ser uma expressão e uma compreensão de vida, como ensina Hortensia
Hupia de Holanda (1977). Expressão e
compreensão de vida longe de maldições.
A vida é, além de sobrevida, espaços de convívios. A vida emocional entre os humanos torna o
corpo humano diverso do corpo dos outros animais. O corpo humano é modificado pelo desejo e
pelos percursos, pelos mitos da cultura.
E o corpo e a cultura são construídos com sangue, suor e lágrimas.
Considerar
o corpo como borda entre sujeito e cultura leva-nos a constatar que nada se
compara à experiência do corpo, a aprender-ensinar, fora dos ambientes formais
da escola. O exercício do corpo estimula
uma aprendizagem participativa. A
observação ganha sentido e as perguntas fluem.
O lazer se entrelaça com o saber, o prazer e a alegria retomam os
dispêndios de energia.
A
diversidade implica em conflitos e desgaste de energia. A cada instante, manter o diferente consome
energia. A vida na diversidade é
necessariamente entrópica. A preocupação
com a reposição de energias deve estar hoje em todos os lugares, desde a
reciclagem de dejetos da atividade humana até a vida muscular em sua fadiga, na
luta cotidiana pela invenção de novos espaços ambientais.
O
mapa desse país de procuras é desenhado, aqui e ali, a partir de bricolagens,
de alianças entre diferentes, e a diversidade é uma aliada. O desenho desse mapa utiliza-se também do
controle de resistência aos devires e produz rupturas por onde ressurge o novo.
Quantas
vezes não convivem em nós mesmos o incentivo a cópias, a prática
adaptacionista, não nos faltando a denúncia aos males desse mundo? Esta
denúncia não nos faz diferentes de muitos a quem nós criticamos.
II – A META DOS CAMINHOS OU O QUE “ESTÁ PARA ALÉM” DO CAMINHAR.
A
ideia de alegrias, em um mundo de fadigas, parece inadiável. A ideia de delicadeza, em um mundo de
violências, também. Como dar lugar a
sempre novas configurações o caleidoscópio que se desdobrará ao infinito para
escrever o roteiro?
Muitos
ingredientes fazem parte da prática da diversidade. A pluralidade de seres e de manifestações é
vital à perpetuação da vida. A beleza
tem morada permanente na variedade.
O
encontro do grupo para trabalhar com a ideia de diversidade foi possível graças
ao reconhecimento do conceito freudiano de ideal. Os grupos reúnem-se em torno de ideias
encarnadas de alguém, alguém autorizado a trazer alguma provocação. A percepção e o chamado a assumir responsabilidades
dependem de uma convocação que mereça ser ouvida. As pessoas ouvidas se predispõem a
ouvir. O respeito vem de uma capacidade
de olhar de novo (re-spectare) e a
responsabilidade vem da capacidade de responder a chamados.
Um
grupo se reúne em torno da ideia. E as
pessoas devem estar livres para abandonar o grupo a qualquer momento. Como ajudar os governos com tal proposta,
imprescindível para a criatividade, é tarefa de poetas. Daí a importância do encanto e das emoções,
dos afetos, além da razão.
O
trabalho com pequenos grupos parece essencial para o reencontro de caminhos,
pois somente no convívio os afetos se manifestam. As manifestações generosas, as resistências
empedernidas, os ciúmes, são todos transportes para a presença de ações
situadas, de situações entre os humanos.
Pensar e agir em torno da questão do coletivo, providenciar
compatibilizações é etapa posterior ou, quando muito, concomitante. O conceito de massa, quando falamos do
coletivo humano, é inadmissível, uma vez que nega a legitimidade e a grande
riqueza da diferença e do lugar do conflito entre os homens e os grupos.
(Fontes, 2000; Mendonça, 2000).
No
trabalho do grupo que produziu esse texto, cada pessoa foi chamada a falar de
seu percurso, de seu trabalho e das circunstâncias pessoais que envolviam as
atividades nesse trabalho e, também a situar o que lhe possibilitou armazenar
sua experiência de vida. Aí, o exame do
que lhe era significativo permitiu uma proximidade com as escolhas dos símbolos
definitivos na configuração dos ideais e conduziu a uma reflexão sobre um
simbólico e sobre o seu tratamento pela cultura.
O
espaço ideal para o grupo é aquele onde a criação é possível. O exercício da criação é pôr as mãos no barro,
pôr as mãos à obra, construir a morada, construir o costume. É a criação que religa as gentes e todos os
seres. O saber, desde aprender a andar
até o trabalho universitário, é uma aventura, uma procura, até certo ponto
consciente, um convite soldado por razão e afetos, cuja função é de
servir. O serviço ao qual o grupo se
referia apoiava-se na busca do bem estar, do bem viver: da saúde. O grupo reconheceu o espaço da Escola
Nacional de Saúde Pública como um lugar de legitimação de talentos e competências. A partir desse ponto pensou-se o que
transborda das disciplinas e o que convoca para novos saberes e
experiências. Pensou-se na chamada
transdisciplinariedade. A
transdisciplinariedade, para o grupo, implica sujeitos disponíveis a tentar
ocupar o lugar do outro, a tentar a paixão
de ser outro, a passar a ser quem vai tentar ouvir e, depois, dizer o que o
outro consegue ouvir. Devemos somente
dizer do outro o que dele ouvimos, o que escutamos e auscultamos. Seria possível na transdisciplinariedade, um
lugar, uma situação de gerar ações capazes de transformar o mundo, de permitir
o surgimento, a invenção do sujeito, no não assujeitado, que só pode nascer nos
novos movimentos da cultura?
IV –
IDEIAS SURGIDAS NO GRUPO QUE VISAM OUTROS ESPAÇOS DE CO-HABITAÇÃO.
“Trabalhamos no Escuro – fazemos o que podemos – damos o que
temos. Nossa dúvida é nossa paixão e
nossa paixão é nosso dever. O resto é a
loucura da arte.” (Henry
James)
Vivemos
uma época de profundo mal-estar (Freud, 1930).
A palavra da moda é o stress. Um
terço da população mundial estaria deprimida, e melancolia é demanda de novos
ideais, de novas formas de liderança, de um novo convívio que valorize e
reorganize a memória. É impossível ir a
encontros sem tentar transformar a memória em História. O corpo do homem atual é possuído de
presenças, seduzido por uma especularização despedaçadora que não lhe oferece
possibilidade de novas propostas, novas sínteses. Não encontramos, nos locais de convívio,
presenças que possam acolher/sustentar novos projetos de vida. Como pode um homem não sustentado sustentar o
mundo em sua solicitação tão diversa? O abandonado só pode ser solidário se
existirem utopias de acolhimento. A
sustentação da solidão, essencial à invenção de novos caminhos e de novos espaços,
implica a existência de utopias ativas. Ideais vivos.
O grupo
considerou que o trabalho com a diversidade depende de uma organização sempre
viva que considere o sensível na borda do inteligível, no limite, na passagem da linha, para empregarmos os
termos de Platão (1966). Não se trata de
um grande problema para as massas. O centro de atenções deve ser o pequeno
grupo. O coletivo virá como
consequência. Os sujeitos existem
independentemente da grandiloquência do administrador. A lógica do sujeito é da ordem da
simplicidade. É preciso diferenciar
complexidade de complicação. A
aproximação do humano depende de uma proximidade com os sentires. Não há porque separar razão de emoção. A aproximação inteligente para o humano é
afetiva. Lugar para afetos são aberturas, possibilidades para ternuras e
raivas, para a manifestação de ressentimentos.
Carinho é uma energia em estado bruto, inibida no encontro. O encontro não é, necessariamente, o lugar de
catarses, mas essas não devem ser ridicularizadas. Do
sublime ao ridículo não há senão um passo.
Para
providenciar caminhos para o fazer/pensar, para criar o centro de uma nova
ética no aparecimento do homem livre, devemos lembrar de que o não assujeitado
é sujeito, é sujeito de sua ação. Mas no
mundo atual o homem apenas pensa que escolhe, pensa que age a partir de seu
pensamento, mas é transformado em sujeito de uma ação escolhida por outrem, é
assujeitado, dominado.
O
trabalho com a diversidade implica, sempre, em se pensar projetos que são
geradores de energia. Como a reciclagem
de lodos, de dejetos, do lixo.
O
pequeno grupo, ao soldar novos ideais, lugar de armazenamento, reservatório de
energias do espírito, é uma usina para novas ideias. O pequeno grupo é lugar de reciclagem de
ideias e ideais. E é labor da paixão do
encontro, sem medida possível que, no sentido de Hanna Arendt (1977), vê-se
somente quando se considera o corpo e a generosidade graciosa de seu trabalho,
como na gravidez, na amamentação, na produção do sêmen, na produção do
suor. Por isso, a produção de um pequeno
grupo não deve ser devassada, pois nunca se deve invadir, devassar
comoções. E deve ser aguardada, como em
todo encontro amoroso, em todo trabalho de Eros, de ligações, da vida (Freud,
1914).
As
atividades humanas, além de provocarem alterações ambientais, também têm
impactos sociais, que devem ser estudados.
O produto do trabalho, visto de maneira humana, é um complexo de bens e
leva em conta a saúde e a integridade física dos trabalhadores.
Em uma
sociedade que se respeita, há um respeito pelo Estado e seus líderes, no
judiciário, legislativo e no executivo.
Mas não se pode dispensar a sociedade civil. Vivemos uma época de destituições
(desmoralização) dos ideais, pois os ideais não podem existir sem uma
encarnação. Há uma preocupação acirrada
com a desconstrução de símbolos históricos, e com a insegurança quanto ao
aparecimento de novos. O apagamento dos
símbolos, dos ideais, é o próprio apagamento das lideranças, da chama simbólica
que alimenta o pensar, é o apagamento da liderança. Dispensar o simbólico significa acionar
imediatamente o sistema motor, a violência incontrolável.
A
Escola de Saúde Pública e a Fundação Oswaldo Cruz, com a ajuda do Ministério da
Saúde, têm suportado algumas demandas e ajudado a transformá-las em projetos
sociais. Na Universidade existem pessoas
que pensam/fazem, e, assim, produzem novas vias.
Sabemos
que há uma ética e um caminho na construção do ser humano, ou seja, há também
uma ontologia e uma ontologia que não se constitua eticamente. Novos espaços em direção do humano aparecem
quando bebemos de todos os saberes.
O homem
não sabe por onde caminha nem aonde vai chegar.
Mas sabe que é preciso fazer outro movimento que não aquele com o qual
já estamos confrontados e que nos empurra na sua direção, à nossa revelia.
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